Desde 17 de maio, quando a delação da JBS foi revelada e o governo Michel Temer passou a viver seu pior momento, ganhou força a discussão sobre seu eventual sucessor dever ser escolhido pelo Congresso ou em eleição direta antecipada.
Enquanto um dos caminhos para eleição direta – a aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) no Congresso – parece difícil pela resistência de partidos da base governista, uma cassação de Temer pela Justiça Eleitoral poderia abrir uma via alternativa para a convocação das urnas.
O presidente corre risco real de ser derrubado por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que retomou nesta terça-feira o julgamento que analisa se a chapa presidencial eleita em 2014, composta por Dilma Rousseff e Temer, cometeu ilegalidades na campanha e, por isso, deve ser cassada.
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O artigo 81 da Constituição Federal prevê que, caso os cargos de presidente e vice fiquem vagos após a metade do mandado de quatro anos, o mandatário que concluirá o tempo restante deve ser eleito pelo Congresso.
No entanto, alguns juristas argumentam que, no caso do TSE decidir que a eleição foi ilegal e deve ser anulada, isso significaria desrespeito ao direito ao voto e, por isso, um novo pleito direto teria que ser convocado.
Na visão deles, o artigo 81 só poderia ser aplicado no caso dos cargos de presidente e vice ficarem vagos por outros motivos, como renúncia, morte ou impeachment.
Se o TSE cassar Temer, o próprio tribunal poderá decidir se convoca eleição direta ou se o Congresso deve fazer a escolha do próximo presidente. Seja qual for a decisão, porém, certamente caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) a palavra final sobre a questão.
Há inclusive uma ação sobre essa questão pronta para ser julgada no Supremo, e a expectativa é que uma eventual cassação pelo TSE acelere o desfecho desse outro julgamento.
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Sucessivas pesquisas realizadas nos últimos meses têm apontado que a maioria da população apoia a antecipação da eleição presidencial no país.
O que está em discussão no STF?
Apesar de a Constituição prever eleição indireta se houver dupla vacância dos cargos de presidente e vice após metade do mandato, o Congresso aprovou em 2015 uma alteração no Código Eleitoral e estabeleceu que a eleição deveria ser direta se estiver faltando ao menos seis meses para a conclusão do mandato.
A questão foi parar no Supremo porque o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, moveu em maio uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.525) em que pede que a corte considere a mudança do Código Eleitoral incompatível com a Constituição.
Já a Clínica Direitos Fundamentais da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) pediu em outubro para participar da ação como amicus curiae (amigo da corte) e lançou uma argumentação contrária, sustentando que a mudança no Código Eleitoral é constitucional.
Pouco depois, Barroso concluiu seu voto – que só será conhecido no momento do julgamento – e liberou a ação para ser pautada. No entanto, até hoje a presidente Cármen Lúcia não levou o caso para análise do plenário.
Qual o argumento a favor da eleição direta?
O professor titular de direito constitucional da UERJ Daniel Sarmento é o advogado que elaborou a argumentação da Clínica de Direitos.
Seu principal argumento é que a nova redação do Código Eleitoral cria uma distinção entre a situação em que os cargos ficam vagos por decisão da Justiça Eleitoral e as demais situações, como afastamento por impeachment, morte ou doença.
Dessa forma, se presidente e vice forem afastados por questões não eleitorais (impeachment, morte, etc.) após metade do mandato, o artigo 81 da Constituição continuará a ser aplicado e a eleição deverá ser indireta.
No entanto, se a chapa for cassada pela Justiça Eleitoral significa que a eleição foi inválida e o direito do eleitor ao voto não foi respeitado. Dessa forma, nessa situação específica, deveria ocorrer eleição direta.
O advogado ressalta ainda que o direito ao voto direto é cláusula pétrea – ou seja, faz parte dos direitos mais importantes da Constituição, aqueles que não podem ser modificados nem por PEC.
Sarmento argumenta também que uma decisão do Supremo pela constitucionalidade da eleição direta faria prevalecer a vontade do próprio Congresso, que aprovou a alteração do Código Eleitoral.
A BBC Brasil, ao antecipar essa discussão de dezembro, entrevistou constitucionalistas que se dividiram sobre o STF dever ou não aceitar a tese de Sarmento.
Para Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola da Direito da FGV-SP, o argumento levantado por ele “é bastante razoável”. Embora considere que a solução ideal seria a aprovação de uma PEC no Congresso, Vieira acredita que o STF pode vir a tomar uma decisão política.
“Se a questão se colocar de uma forma contundente, o Supremo eventualmente tem uma saída. Acho que a distinção oferecida pelo Daniel (Sarmento) é plausível”, afirmou na ocasião.
E quais os argumentos contra a eleição direta?
A pedido da BBC Brasil, o ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto também analisou em dezembro os argumentos de Sarmento. Embora tenha dito que sua tese “impressiona”, considerou que a argumentação “não resiste a uma análise mais detida”.
Britto destacou que a Constituição, já na sua redação original, de 1988, prevê no artigo 14 a possibilidade de o mandato presidencial ser impugnado pela Justiça Eleitoral.
“O artigo 81 foi redigido com o legislador constituinte já sabendo que havia a hipótese de perda do mandato por decisão da Justiça Eleitoral. Então por que fazer a separação (entre vacância por decisão do TSE e outras situações)? Não parece aí que a distinção entre uma coisa e outra tenha consistência argumentativa”, afirmou.
Apesar disso, o ex-ministro do STF considera que, caso Temer seja cassado, a solução ideal seria a realização de eleições diretas, após o Congresso aprovar uma PEC.
“Daria muito mais legitimidade, até porque o atual Congresso não está creditado o suficiente para eleger ninguém. Melhor devolver ao povo, mediante PEC, o poder de eleger seu ocupante central”, disse.
O que esperar do TSE e do Congresso?
A ação que pede a cassação da chapa de Dilma e Temer foi movida pelo PSDB logo após a eleição de 2014.
O partido acusa a chapa vitoriosa de diversas ilegalidades, como arrecadação de doações que seriam na verdade recursos desviados da Petrobras. São também apontadas irregularidades nas despesas da campanha, como suposta contratações de gráficas que não teriam comprovado os serviços prestados.
É possível que o julgamento se alongue durante esta semana e, caso Temer seja cassado, ele ainda poderá recorrer contra a decisão no STF.
Apesar disso, os defensores da saída de Temer consideram que esse seria o caminho mais viável para derrubá-lo, já que seu aliado Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, não dará andamento aos pedidos de impeachment.
“O caminho mais rápido para o Brasil sair da crise é a cassação de Temer no TSE com o desdobramento natural de uma eleição direta, como a lei eleitoral determina”, afirma o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ).
No Congresso, uma PEC pelas eleições diretas teria que ser aprovada com texto idêntico, em votações de dois turnos, no Senado e na Câmara, com apoio de três quintos dos parlamentares em cada casa.
Embora a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado tenha aprovado uma PEC nesse sentido na semana passada, o que permite que a proposta já seja levada ao plenário, a discussão no órgão equivalente da Câmara vem sendo adiada sucessivamente, pela pressão de aliados do governo.
Vale lembrar também que Maia e o presidente do Senado, Eunício Oliveira, aliados do governo Temer, são os responsáveis por definir as pautas de votação.
Fonte: BBC