MADRI — O ministro do Meio Ambiente , Ricardo Salles , afirmou esta quarta-feira, na Conferência do Clima da ONU em Madri ( COP-25 ), que a Alemanha , doadora do Fundo Amazônia ao lado da Noruega , “já topou” a nova proposta para o financiamento de ações de conservação da floresta.
— Entregamos uma minuta aos doadores, que estão estudando a proposta. A Alemanha já topou. Falta a Noruega — disse, sem detalhar, embora já tenha sinalizado que faria um novo desenho de governança tirando a sociedade civil do processo.
O Fundo Amazônia, que já recebeu R$ 3,4 bilhões desde sua criação, em 2008, aloca recursos em projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia desde que o desmatamento esteja sob controle. A Noruega é o maior doador , com participação superior a 90%. A Alemanha, por sua vez, é o maior parceiro de projetos socioambientais do Brasil.
Neste ano, Salles interferiu nesse processo alegando irregularidades dos projetos custeados pelo fundo e geridos pelo BNDES . Isso nunca foi comprovado , mas o fundo praticamente deixou de funcionar. Em agosto, foram congelados R$ 288 milhões, e o mecanismo ainda não teve nenhum projeto aprovado neste ano.
Ainda na COP-25, o ministro disse querer monetizar os ativos florestais brasileiros. Trata-se de reabrir uma discussão antiga e das mais controversas nas negociações internacionais — trazer recursos para preservação e projetos na Amazônia atrelados a mecanismos de mercado.
— Já tomamos uma decisão no Brasil, que é pró-negócio, de monetizar o ativo ambiental brasileiro — disse, complementando: — Isso significa sair da política que fizemos até hoje, de fazer gestos, e entrar para a política de resultados.
Sem consenso
Colocar as florestas na mesa de negociação é dos temas dos mais sensíveis da COP. Divide países em fronts distintos — os que querem negociar tudo com mecanismos de compensação de redução de emissões, conhecidos por “offset” (como defendia, no passado, um grupo liderado por Papua Nova Guiné), aos que têm horror à ideia de mercantilizar a floresta (como a Bolívia).
Dentro do Brasil também nunca houve consenso. Os governadores da Amazônia costumam ver a ideia com bons olhos, imaginando embolsar recursos financeiros. Alguns pesquisadores e ONGs concordam, desde que o sistema seja feito com cuidado.
O Ministério das Relações Exteriores tem posição histórica contrária. Os diplomatas temem que a medida, que privilegiaria projetos de conservação no Brasil feitos com créditos de carbono negociados com empresas estrangeiras, não consiga garantir a permanência das florestas em caso de incêndios.
Neste caso, o clima seria prejudicado — pelas emissões de gases-estufa emitidas pelo comprador dos créditos, que esperava compensá-los com o carbono preservado na floresta. E pelo carbono emitido nos incêndios.
Outro ponto frágil seria o que pesquisadores chamam de “vazamento”. Se um Estado faz projetos de conservação ligados a créditos de carbono, o temor é que o desmatamento “vaze” para o Estado vizinho.
— Se o vazamento vai para o vizinho, o problema é do Estado vizinho. Ele que vá atrás de seu controle — disse Salles. — Por que vou impedir que a pessoa tenha possibilidade de monetizar uma conservação que ela já está fazendo e que pode receber por ela?
Não é simples assim. No passado, diplomatas do Itamaraty se preocuparam em ouvir pesquisadores que temiam, por exemplo, que o preço da negociação fosse muito baixo. Ou seja, que poderia haver floresta demais para a demanda, e isso derrubaria o preço.
— Isso não é comigo. É o mercado que vai se virar — afirmou. — O meu trabalho é dar condição jurídica para as pessoas (e os Estados) poderem receber. Não tenho que garantir preço nenhum. Só faltava isso agora.
Volta de conselhos
O regramento jurídico a que o ministro se refere está na edição de alguns decretos publicados na sexta-feira, véspera da COP-25. O conjunto de ações recriou conselhos e comitês que haviam desaparecido por decisão do governo no primeiro semestre. Os ministérios tinham que apontar quais colegiados queriam que continuassem. Neste processo, muitos pilares da governança ambiental foram desmontados.
Um dos decretos recriou a Conaredd, sigla para a comissão nacional originariamente criada em 2016 para dar corpo à estratégia de implantação de Redd. A sigla se refere a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal.
Há muitas visões diferentes para Redd. Uma delas, por exemplo, inclui o Fundo Amazônia, em que haveria menos emissão de carbono e o Brasil era compensado pela preservação da florestas.
BID contradiz ministro
Em sua jornada por recursos para investimentos no Brasil, Salles tem se encontrado, em Madri, com empresas como a Repsol, Iberdrola e Shell. E anunciado, já há algum tempo, que fecharia um fundo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento , o BID. “O BID está fazendo o desenho”, disse. O Banco estaria prestes a fazer um aporte de US$ 50 milhões.
Ao “Valor”, contudo, assessores do BID dizem que o tema está no estágio inicial, de conversas. Indicam que o board do Banco quer ver antes como segue o Fundo Amazônia.
Ao redesenhar a Conaredd, Salles eliminou cadeiras da sociedade civil e indicou que a que restou será ocupada pelo secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Os municípios também perderam assento.
Além disso, a comissão, agora, pode receber projetos de múltiplas fontes, o que permite os aportes de recursos do setor privado. É com esta estrutura doméstica que Salles quer negociar em Madri.
Aqui está se negociando as pendências finais do livro de regras do Acordo de Paris. A principal delas é o artigo 6, que trata dos mecanismos financeiros para ajudar os países a fazer a transição para economias mais limpas.
O artigo 6.4 é o único do Acordo de Paris que prevê a participação do setor privado. As empresas poderiam negociar créditos de carbono entre si. Salles quer que as florestas estejam neste pacote.
Ele reabre uma caixa polêmica e já fechada em uma conferência climática anterior a Paris, a de Varsóvia. Ali foi tudo negociado para evitar problemas em uma área nova como esta.
— O meu papel é fazer com que isso aqui (a COP-25) gere resultado ao governo brasileiro. Minha pretensão é levar recursos ao Brasil, para podermos preservar a floresta e melhorar a vida das pessoas. Este é o nosso desafio — disse.
Salles não teme que as florestas, no artigo 6, possam representar riscos à soberania da Amazônia.
— Ou o Acordo de Paris tem resultado positivo para o Brasil ou não vamos ficar negociando o que não tem resultado prático — ameaçou. — O que o Brasil ganha com isso aqui?
A jornalista viajou à CoP 25 a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS)
Fonte: Folha