O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, escolheu o clima como principal tema do seu discurso em um evento voltado ao conservadorismo, realizado no último final de semana em São Paulo.
Em sua fala, apresentou o que chama de “climatismo”, uma vertente do “globalismo”, do qual o Brasil seria vítima.
“A mudança climática deveria ser estudada de maneira serena, racional, mas também foi capturada por uma ideologia”, declarou.
Em meio a frases contundentes, o chanceler também apresentou alguns dados para provar seu ponto e tentar amenizar as preocupações em relação às mudanças climáticas. O UOL Confere checou algumas delas:
Pouca gente sabe, por exemplo, que o ritmo atual de aquecimento desde 1970 é 0,13 °C por década e que, somado o aquecimento que existe hoje, desde a idade industrial daria o aquecimento de 1,9 °C em relação ao patamar de 1850 até o final do século 20.
IMPRECISO: Ritmo de aumento da temperatura global vem acelerando
O chanceler usa um dado verdadeiro para gerar um número especulativo. As principais agências de controle do clima concordam que, desde a Revolução Industrial (com o ano de 1850 usado como data base), a temperatura na Terra subiu pouco mais do que 1°C.
De acordo com o Observatório do Clima da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana), desde a década de 1970, como apontou Araújo, a temperatura na Terra sobe entre 0,15 °C e 0,20 °C por década.
Este crescimento, no entanto, vem acelerando. Dos 1 °C que subiu em quase 170 anos, dois terços se deram nos últimos 40.
O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) da ONU (Organização das Nações Unidas), por exemplo, trabalha com a projeção de que, se continuar neste ritmo, a Terra pode atingir o aumento de 1,5 °C entre 2030 e 2050.
Do jeito que estão as emissões, do jeito que a natureza se comporta, já estamos abaixo do que é considerada a meta de aquecimento de 2 °C até o final do século.
FALSO: Aquecimento não é natural e 2 °C é o teto da meta, não a meta
Há dois equívocos na fala: que o aquecimento tem se dado de forma natural e que 2 °C é uma meta.
Para provar o ponto, o ministro faz uma interpretação errada do Acordo de Paris. Assinado em 2015 por 195 países, o documento tem como principal compromisso diminuir a emissão de gases poluentes.
O objetivo do acordo é tentar impedir que a Terra chegue a qualquer aumento de temperatura próximo a 2 °C, pois isso teria um efeito catastrófico para o meio ambiente. A meta, na verdade, é trabalhar para que suba em, no máximo, 1,5 °C.
Isso é explicado pela página do Ministério do Meio Ambiente do Brasil. “O compromisso ocorre no sentido de manter o aumento da temperatura média global em bem menos de 2 °C acima dos níveis pré-industriais e de envidar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais”, afirma a pasta, em sua página oficial.
Além disso, como já dito, o aumento da temperatura tem acelerado e não tem nada a ver com a natureza, mas com o homem.
“Nos primeiros 11 mil anos anteriores à Revolução Industrial, a média de temperatura ao redor do globo se manteve estável em 14 °C. (…) Evidências mostraram que níveis altos destes gases de efeito estufa na atmosfera são a principal causa do aumento da temperatura”, explica o Met Office, agência climática do Reino Unido.
“Cientistas já conseguiram descartar eventos naturais, como atividade vulcânica, mudança da atividade solar e fontes naturais de CO2, como causas para a mudança climática”, declara a agência, uma das mais tradicionais e respeitadas do mundo.
Portanto, diferente do que coloca o ministro, o debate é que fique abaixo até de 1,5 °C. Chegar a 1,9 °C não seria seguir a meta, e sim criar um cenário catastrófico. O IPCC dá alguns exemplos do efeito no planeta, em 2100, com aumento entre 1,5 °C e 2 °C:
- O nível do mar estará 10 cm mais alto se chegar a 2 °C em comparação com 1,5 °C.
- A chance de o Oceano Ártico estar sem banquisas no verão é de uma a cada século a 1,5 °C, enquanto sobe para uma a cada década a 2 °C.
- Os recifes de corais podem diminuir entre 70% e 90% a 1,5 °C, enquanto estão virtualmente extintos a 2 °C.
O Brasil é responsável entre 2% e 3% da emissão de CO2. A China é responsável por 25%.
VERDADEIRO: China emite dez vezes mais CO2 que o Brasil
O ministro acertou dados ao contestar a baixa colaboração do Brasil na emissão de gases poluentes se comparados a outros países. De acordo com a ONG internacional Climate Watch, desde 2006 o país representa entre 2% e 3% de todo o CO2 emitido no planeta.
Em 2014, últimos dados disponíveis, o índice estava em 2,2%.
Enquanto isso, a China tem emitido em média dez vezes mais gases-estufa do que o Brasil. Desde 2007, é responsável por pelo menos 20% de toda a emissão do planeta. Em 2014, representou 27%.
Os Estados Unidos saíram do Acordo de Paris e são o único país desenvolvido que têm conseguido reduzir suas emissões.
FALSO: Estados Unidos bateram recorde de emissão em 2018
Signatários do Acordo de Paris sob o governo de Barack Obama, os Estados Unidos deixaram o grupo em junho de 2017, na administração de Donald Trump. Desde então, as emissões, que vinham caindo, voltaram a subir.
Na verdade, a emissão de poluentes no último ano não só aumentou como bateu o recorde. O instituto de pesquisa Rhodium Group estimou que os níveis de CO2, que estavam em queda nos três anos anteriores, aumentaram 3,4% de 2017 a 2018, maior alta em oito anos.