É frustrante. Você compra um novo eletrodoméstico e, logo depois da garantia expirar, ele quebra. Você não consegue consertar e também não encontra ninguém que consiga fazer o serviço por um preço decente.
Então, você é praticamente forçado a comprar outro novo, enquanto o objeto se junta à montanha global de lixo. Isso acaba dando combustível à mudança climática, devido ao consumo de recursos e à liberação de gases do efeito estufa durante o processo de produção do novo eletrodoméstico.
Mas em breve isso deve mudar, pelo menos na União Europeia e em partes dos Estados Unidos. Em breve, seus cidadãos devem ganhar o “direito de consertar”.
Na União Europeia, ministros para meio ambiente estão introduzindo normas para forçar fabricantes a produzir bens que durem mais e que sejam mais fáceis de reparar. As propostas englobam artigos para iluminação, televisões e eletrodomésticos de grande porte (como geladeiras, fogões, lava-louças e máquina de lavar).
Já nos Estados Unidos, pelo menos 18 Estados estão considerando adotar leis similares, em uma enorme reação contra produtos que não oferecem suprimento de peças separadas ou que não podem ser desmembrados porque suas partes são coladas – se uma pequena parte quebra, você não tem outra opção a não ser comprar o produto inteiro de novo.
Os planos europeus e americanos são complexos e controversos. Os fabricantes dizem que as regras propostas sobre conserto de produtos são muito estritas e que inibirão inovação.
Já no Brasil, não há propostas para facilitar o conserto de eletrodomésticos. De qualquer forma, o Código de Defesa do Consumidor já estabelece que produtos que saem de linha devem manter peças de reposição no mercado por um prazo razoável – porém, não diz qual seria a duração desse prazo razoável.
Além disso, há um projeto de lei na Câmara para proibir a obsolescência programada – a fabricação de produtos que duram menos, para forçar que os consumidores tenham que comprar outros novos.
“No Brasil, a questão do conserto tem mais a ver com a obsolescência programada. Temos um grande problema com isso. Muitos produtos, como eletrodomésticos e celulares, são feitos para durarem menos e estimular o consumo “, afirma Livia Coelho, advogada e representante da Proteste, organização de defesa do consumidor.
“Há dois fatores que incidem (na obsolescência programada). Primeiro, a empresa não disponibiliza peças de reposição. Segundo, o consumidor tem o impulso de adquirir um produto novo. Isso acaba contribuindo com problemas ligados ao meio ambiente”, continua Coelho.
Como o ‘direito de consertar’ vai ajudar o meio ambiente?
Na Europa, consumidores fizeram campanhas para reclamar que a União Europeia permitiu que empresas mantivessem controle sobre o processo de reparo dos eletrodomésticos, ao insistirem que alguns produtos só poderiam ser consertados por determinados profissionais – a assistência técnica autorizada.
A Agência Europeia do Ambiente, por exemplo, afirmou: “Isso faz com que as pessoas que fazem consertos de forma independente tenham acesso restrito a peças e informações – e isso limita o escopo e a disponibilidade dos serviços de reparo”. O órgão também quer que outros produtos, como smartphones e impressoras, sejam incluídas nas novas regras.
Grupos ambientalistas dizem que as novas propostas de legislação da Europa e dos Estados Unidos representam um progresso na redução das emissões de carbono e no uso mais racional dos recursos naturais.
Libby Peake, do grupo Green Alliance, afirmou à BBC News: “As novas regras são um progresso definitivo. Nós achamos que poderia ser melhor, mas é uma boa notícia que pelo menos os políticos estejam despertando para um tema que a sociedade recolhece como um problema há muito tempo. As novas regras vão beneficiar o meio ambiente e economizar recursos”.
O que motivou as iniciativas de mudança na Europa e nos Estados Unidos?
As mudanças foram impulsionadas por algumas estatísticas:
– Um estudo mostrou que, entre 2004 e 2012, a proporção de grandes eletrodomésticos que deixaram de funcionar dentro de 5 anos aumentou de 3,5% para 8,3%.
– Uma análise de máquinas de lavar jogadas em um centro de reciclagem mostrou que mais de 10% tinham menos de cinco anos.
– Outro estudo estimou que, por causa do CO2 emitido no processo de produção, uma máquina de lavar que dura bastante tempo vai gerar, ao longo de duas décadas, 1,1 tonelada a menos de CO2 do que um modelo que dure pouco tempo.
É melhor se desfazer de um eletrodoméstico velho e comprar um mais eficiente?
Essa não é uma pergunta simples. Especialistas em recursos naturais explicam que, em geral, se o seu eletrodoméstico é velho e tem uma baixíssima eficiência energética, pode valer a pena substituí-lo por um novo modelo que gasta menos energia. Mas, na maioria dos casos, ficar com o modelo velho gera menos emissões do que produzir um novo.
Há outro debate sobre quão prontamente os consumidores deveriam poder consertar os eletrodomésticos. O movimento Direito ao Conserto quer a produção de aparelhos que possam sejam totalmente desmembrados e reparados com peças de reposição e informações fornecidas pelos fabricantes.
Alguns fabricantes temem que o reparo feito em casa, no estilo “faça você mesmo”, possa danificar os equipamentos e potencialmente representar um risco físico.
Uma das empresas, a Digital Europe, disse: “Nós entendemos o desejo político de integrar a eficiência energética e de recursos, mas estamos preocupados que alguns requisitos sejam inviáveis ou não geram nenhum valor adicional. As propostas de regulações limitam o acesso ao mercado, se desviam das melhores práticas reconhecidas internacionalmente e comprometem a propriedade intelectual”.
*Com reportagem de Roger Harrabin (@rharrabin), especialista em meio ambiente da BBC.
Fonte: BBC