Filho do presidente da República, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC)manteve empregada por 18 anos em seu gabinete na Câmara Municipal do Rio de Janeiro uma mulher que já foi laranja de um militar em empresas de telecomunicação e também atuou como uma espécie de faz-tudo da família Bolsonaro —inclusive em afazeres domésticos.
Enquanto remunerada pelo gabinete de Carlos, Cileide Barbosa Mendes, 43, apareceu como responsável pela abertura de três empresas nas quais utilizou como endereço o escritório do hoje presidente Jair Bolsonaro. Na prática, porém, ela era apenas laranja de um tenente-coronel do Exército —ex-marido da segunda mulher de Bolsonaro— que não podia mantê-las registradas no nome dele.
Após ter sido babá de um filho de Ana Cristina Valle (que foi companheira de Bolsonaro e é mãe também de Renan, filho dele), Cileide foi nomeada em janeiro de 2001 no gabinete de Carlos, que era vereador recém-eleito.
Novato na política, Carlos tinha 18 anos na época. No início deste ano, ele fez uma limpeza em seu gabinete, assim que o pai assumiu o Palácio do Planalto. Nos meses de janeiro e fevereiro, o vereador exonerou nove funcionários. Cileide foi um deles, demitida após 18 anos —recentemente com remuneração de R$ 7.483.
Hoje instrumentadora cirúrgica, Cileide mora na casa que, até o ano passado, abrigou o escritório político de Jair Bolsonaro. Ela continuou vivendo na casa em Bento Ribeiro, subúrbio do Rio, mesmo depois de ter sido exonerada, em janeiro, do gabinete de Carlos. O antigo escritório político do então deputado federal hoje é ocupado por parte da equipe de Carlos.
A relação de Cileide com a família é antiga. Nos anos 1990, ela cuidava dos afazeres domésticos na casa de Ana Cristina e do ex-marido dela, o militar Ivan Ferreira Mendes. Uma das funções era cuidar do filho do casal.
Quando os dois se separaram e Ana Cristina passou a viver com Bolsonaro, em 1998, Cileide foi orientada a morar com Ivan, atuando como babá. Ivan diz que ele e Ana Cristina ajudavam Cileide financeiramente.
“Não tinha nem vínculo empregatício nem carteira assinada. A relação era bem de amizade, quase família.”
Anos depois, quando o tenente-coronel se casou pela segunda vez, Cileide voltou a trabalhar diretamente para Ana Cristina, à época casada com Bolsonaro. Segundo relato de Ivan, foi aí que Cileide passou a morar na casa de Bento Ribeiro. Nesse período, conta ele, Cileide se aproximou de Bolsonaro a ponto de ter optado por ficar com ele quando Ana Cristina se separou do então deputado.
À Folha Ana Cristina disse ter conhecido Cileide “no passado, assim que seu filho nasceu”. “Trabalhou mais comigo no primeiro casamento. Ela saiu da minha casa e foi trabalhar no comitê.”
De acordo com o chefe de gabinete de Carlos, Jorge Luiz Fernandes, Cileide trabalhava formalmente para o vereador, mas, na prática, cuidava da casa onde funcionava o escritório do pai (e onde morava) e entregava correspondências. Depois, de acordo com ele, a ex-funcionária passou a coordenar o trabalho realizado por lá, que consistia, por exemplo, em atender telefonemas da base eleitoral de Bolsonaro.
Apesar do relato de evolução na função, diários da Câmara Municipal mostram que o salário de Cileide diminuiu. Ela ingressou em 2001 como assessora especial, cargo que hoje corresponde a uma remuneração de R$ 15.231. Na hierarquia do gabinete, estava abaixo de Ana Cristina, que foi nomeada assessora-chefe, com um salário que hoje chega a R$ 21.244.
“Ela era uma pessoa mais da confiança do deputado do que nossa. Veio trabalhar com a gente há muito tempo, veio com a segunda esposa do deputado”, disse Fernandes.
Enquanto esteve lotada no gabinete de Carlos, Cileide foi laranja de Ivan, ex-marido de Ana Cristina, em empresas de telecomunicação até 2007. O militar, que hoje está reformado, diz não considerar esse termo adequado, mas admite que ela “emprestou o nome” para ele, que não podia assumir formalmente a direção das empresas. Com isso, Cileide assinava em seu lugar.
Repetindo que não prejudicaria a ex-babá, Ivan nega que Cileide recebesse salário no gabinete de Carlos sem trabalhar para o vereador e afirma que a ex-funcionária nunca atuou para a sua empresa. “Aquele período em que ficou vinculada ao gabinete com o nome na empresa incomodava muito a nós todos”, diz.
Em setembro de 2004, quando duas empresas foram constituídas em seu nome, Cileide abriu mão da vaga de assessora especial para outros funcionários de Carlos. Com isso, a assessora (que, segundo o chefe de gabinete, passou de ajudante a coordenadora do escritório de Bolsonaro) viu sua remuneração despencar ao assumir o cargo formal de auxiliar de gabinete.
Ainda segundo Fernandes, Cileide foi exonerada pelo vereador por ter completado sua formação educacional e passado a atuar como instrumentadora cirúrgica.
Segundo ele, Bolsonaro pediu que Cileide deixasse o gabinete para evitar suspeitas de que a funcionária não estivesse, de fato, trabalhando para o vereador. O presidente, diz, solicitou a mudança para não dizerem que ela não estaria cumprindo expediente.
A reportagem teve acesso a documentos que indicam que Cileide continua morando na casa de Bento Ribeiro, propriedade do presidente, mesmo depois de ter sido exonerada por Carlos. Embora a conta de luz e o IPTU estejam em nome de Bolsonaro, Cileide registra o endereço como o de sua residência em outros documentos oficiais, como o cadastro do SUS (Sistema Único de Saúde).
Dados disponíveis no site da Câmara dos Deputados mostram que desde 2009, primeiro ano em que os deputados tiveram que prestar contas da cota parlamentar, Bolsonaro pagou com dinheiro público contas de luz e água da casa em que morava Cileide. A cota é destinada a custear gastos exclusivamente vinculados ao exercício da atividade parlamentar.
No início do ano, Carlos Bolsonaro nomeou quatro assessores que já trabalhavam na casa de Bento Ribeiro, a serviço do então deputado federal Jair Bolsonaro. Eles permanecem cumprindo expediente na residência, que, segundo o chefe de gabinete de Carlos, agora funciona como escritório do vereador.
O chefe de gabinete diz que o filho do presidente já assumiu formalmente as despesas como internet e televisão, enquanto o IPTU e a luz continuam no nome do pai. “Montamos uma estrutura para o pessoal trabalhar. Como vai colocar 18 funcionários dentro do gabinete?”, questiona.
A carga horária prevista para assessores comissionados da Câmara do Rio é de seis horas diárias, que não precisam ser cumpridas no espaço físico da Casa. Esses assessores não batem ponto e têm a frequência assinada pelo próprio vereador.
A reportagem foi três vezes à porta do escritório. Em todas as tentativas, foi atendida por uma assessora de Carlos, que disse que Cileide não estava em casa. Pelo telefone, a ex-funcionária disse que não falaria com a Folha. Ela também não respondeu a email e mensagens de WhatsApp.
Fonte: Folha