Denílson Baniwa e Katu Mirim militam nas redes sociais sobre a causa e falam como são os indígenas em 2019; artista visual criou camiseta com referência a Star Wars em tupi.
Em 2018, o artista visual Denílson Baniwa, 35 anos, escreveu um poema sobre os estereótipos sobre indígenas usados nas escolas no Dia do Índio, comemorado no dia 19 de abril. Juntamente com a página Visibilidade Indígena, ele começou uma campanha espontânea contra atitudes como pintura facial em crianças “com canetinhas hidrocor” e cocares de papel.
“Muitas vezes algumas pessoas não reconhecem os índios como eles são atualmente, porque acham que somos como foi reproduzido nas escolas e na televisão: um índio nu, vivendo na natureza. E isso não é mais realidade. Meu poema foi para falar sobre isso, de olhar para o índio de 2019 e não mais para o de 1500”, diz Denilson, que deu entrevista ao G1 usando uma camiseta criada por ele com uma referência à saga Star Wars (veja no vídeo abaixo).
Indígenas lançam campanha contra estereótipos para comemorar Dia do índio
“É uma cena clássica quando o Luke Skywalker reconhece Darth Vader como pai. Escrevi em tupi ‘Luke, eu sou teu pai’. Meu trabalho tem uma coisa voltada para a antropofagia, então eu pego signos modernos da arte e transformo de maneira antropofágica”, explica.
Indígena da etnia Baniwa e nascido no Amazonas, Denilson diz que o “índio hoje é uma pessoa que vive nos mundo atual, se apropriou da tecnologia e busca equipamentos para defender sua cultura”:
Até a década de 70, 80, os índios eram vistos como pessoas que precisavam de tutela e não tinham capacidade de se defender. E hoje buscamos falar isso: que estamos vivos, que temos poder de voz, temos conhecimento e somos capazes de decidir sobre nossa própria existência no mundo sem precisar de outras pessoas para nos definirem ou falarem por nós, diz Denilson Baniwa.
Indígenas em 2019
A ativista Katu Mirim liderou a campanha #ÍndioNãoÉFantasia contra o uso de penas, pinturas corporais e cocares que remetem a povos indígenas no carnaval deste ano. De acordo com a indígena, trata-se de racismo e não homenagem.
Ela é uma das administradoras da página Visibilidade Indígena, que divulga nas redes sociais a militância sobre as causas indígenas.
“Criei a página em 2017 para trazer visibilidade e informações sobre a nossa pluralidade étnica, trazer visibilidade para nossos artistas e apresentar para a sociedade o indígena contemporâneo, o indígena no presente”, disse ela ao G1.
Katu é indígena urbana, ou seja, nasceu na cidade. Ela estudou em escola pública e conta que foi a partir de sua experiência que criou a campanha sobre o Dia do Índio nas escolas.
‘Eu peço que olhem para os povos indigenas, nos respeitem, lutem conosco’, afirma Katú Mirim — Foto: Reprodução/Facebook
“A escola sempre reforçou o estereótipo do indiozinho pelado e selvagem. A professora dava um desenho do índio que só usava uma folhinha pra cobrir as genitais, pintávamos o desenho, fazíamos cocar de papel e quando colocavam na minha cabeça diziam: ‘Você é índia selvagem’ e batiam na boca. Nunca vi a escola falar a verdade sobre nós”, diz ela.
Katu diz que isso ainda não mudou. “Na antiga escola da minha filha, o Dia do Índio ainda está lá, com o cocar de papel, música da Xuxa e pipoca. Uma vez fui buscar minha filha na escola e ela falou para a amiguinha que somos indígenas. A amiguinha respondeu que não, pois, no Dia do Índio, a professora falou que eles moram na oca, no meio do mato e comem mandioca”, conta.
Para Katu, a ignorância causa danos aos índios. “Hoje existem etnomídias que abordam essas questões e informação. Não se pode mais errar e continuar reforçando esses estereótipos que ajudam a nos inviabilizar, estereótipos que contribuem com nosso genocídio.”
Como abordar o tema nas escolas
O artista plástico Denilson Baniwa, que milita por causas indígenas — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1
Denilson não imaginava que a sua publicação do poema em rede social fosse repercutir quando a republicou neste ano.
“Foi uma provocação para falar sobre o dia 19 de abril, uma data instituída pelo governo que se tornou uma ‘homenagem’ aos indígenas, o que não é verdade. O dia 19 foi instituído com sentimento de resistência e de luta por direitos indígenas no mundo”, diz Denilson.
Para o artista, uma maneira adequada de abordar o Dia do índio nas escolas seria falar da diversidade e importância deles.
“Índio não é tudo igual e não fala tudo tupi. Existem mais de 300 etnias, que falam mais de 300 idiomas. É importante saber que os indígenas são diferentes no Sul, no Nordeste, no Norte, no Sudeste e no Centro-Oeste. São visões diferentes de mundo e de cultura. Essa diversidade é importante para a formação do Brasil e entendimento do país enquanto território nacional”.
Já Katu resumiu a sugestão para as escolas no banner criado por ela.
“Pedi que por favor os professores não reforcem estereótipos, não coloquem a música da Xuxa, não sejam um desserviço. Acho importante a escola levar um indígena para falar, pesquisarem sobre a questão indígena. Nós existimos e resistimos. Está na hora de nos escutarem, entenderem nossas questões e nos deixarem falar. Vocês estão no Brasil, terra indígena, se não respeitam a raiz vão respeitar o quê? Se for pra reforçar estereótipos e racismo, o melhor é ficar quieto.”
Campanha da página Visibilidade Indígena sobre o Dai do Índio — Foto: Reprodução/Facebook
Indígenas cantam rap
Em janeiro, o G1 contou a história de jovens indígenas que são lideranças da aldeia Teoka Pyal, na região do Pico do Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo, cantam rap em guarani e português.
Com letras de cunho político e social, os índios Hebert, o Wera, (pronuncia-se ‘Verá’ e significa “trovão”, em guarani), de 23 anos, e Jefersom, o Xondaro (“guerreiro”), de 19 anos, conciliam a vida na aldeia com agenda de shows e manifestações em atos em São Paulo e Brasília.
Jovens índios da Zona Norte de SP cantam rap em tupi-guarani para defender causa indígena
A aldeia Teoka Pyal foi fundada há 20 anos pela avó de Wera, a primeira cacique mulher da tribo. Atualmente vivem 700 índios no espaço de 1,3 hectare, que fica próximo ao Parque Estadual do Jaraguá. Eles lutam pela demarcação de mais 513 hectares.
Wera diz que sente descaso com a causa indígena não só por parte dos governantes, mas também do “homem branco” em geral.
“A gente quando sai da Teoka já é mal visto, mal falado, esse estereótipo de que a gente indígena anda pelado e tal… Quando vai pra fora (da aldeia) muito motorista de ônibus não para no ponto, muita pessoa olha com raiva, fala mal, acha que a gente não entende enquanto a gente está entendendo tudo. Eles falam: ‘Olha esse indinho como ele tá sujo’. A gente sempre teve contato com a terra e a terra não é suja. O que é sujo é essa poluição do carro que prejudica o meio ambiente”, diz ele.
Fonte: G1