* Por Sérgio Abranches
Os analistas políticos brasileiros deveriam se debruçar sobre a experiência recente da Alemanha, para pensar melhor sobre algumas crenças a respeito das reformas políticas que têm proposto para o Brasil. A Alemanha é o tipo ideal para muitos que desejam melhorar o desempenho da democracia representativa no país. Abraçam a crença de que a combinação supostamente virtuosa entre o voto distrital misto e a cláusula de barreira produziriam maiorias mais consistentes e estáveis ou, na pior das hipóteses, coalizões ideologicamente mais homogêneas. O remédio alemão evitaria a fragmentação partidária e o consequente impasse político. Seria a garantia da governabilidade. Pois bem. A Alemanha, cuja governabilidade está ameaçada, deverá viver a terceira grande coalizão, entre os democrata-cristãos de Merkel e os social-democratas de Martin Schulz. É a mais heterogênea possível no quadro germânico de heterogeneidade social e política. Foram três no longo período de chancelaria de Angela Merkel. Ela talvez some visões mais polares do que uma aliança PSDB-PT conteria. Após o fracasso das negociações para formação da coalizão Jamaica, porque as cores dos partidos são as da bandeira jamaicana, Merkel ficou apenas com as alternativas de novas eleições, ou convencer os social-democratas, que atribuem seu péssimo desempenho eleitoral recente à aliança com Merkel de 2009 a 2013, a formar novamente uma coalizão de governo com ela.
A nova coalizão CSU-CDU/SPD ainda precisa de um voto difícil do congresso partidário. Uma das lideranças dos social-democratas, Niels Annen, explicou ao jornal Passauer Neue Presse que o partido não pode excluir aliar-se a Merkel. Há muita coisa em jogo. Mas, ele recomenda que, primeiro, o partido — o SPD — escute como a “fracassada chanceler” imagina concretamente o novo governo, antes de concordar em assinar mais um pacto de união de quatro anos com ela. Merkel e Schulz fecharam um acordo prévio, após investida insistente e enfática do presidente da Alemanha, o social-democrata Frank-Walter Steinmeier a favor da grande coalizão. Ele enfatizou o risco de que novas eleições aumentassem perigosamente o poder da extrema-direita. Merkel está enfraquecida. A Alemanha vai bem na economia e mal na política. Parece familiar, não parece?
O banco ING em recente newsletter faz menção à célebre frase do assessor de campanha de Bill Clinton, James Carville, invertendo-a: “é a política, estúpido… não a economia. O SPD só aprovou a coalizão com Merkel em 2009, após longa negociação, que resultou em um programa minucioso de governo, com 185 páginas, delimitando a direção das políticas públicas e seus limites. Não teve toma-lá-dá-cá. Agora há pontos cruciais de política social, imigração, política econômica, Europa e geopolítica em discussão.
Nada melhor que o exame do fracasso das negociações entre os quatro partidos, os siameses CSU e CDU de Merkel, os Verdes e o conservador FDP, “Democratas Livres”, para se descobrir o que e como se negocia para formar governos na Alemanha. Meses de negociação não foram suficientes para aparar as diferenças ideológicas e culturais polares entre os Verdes, o CSU e o FDP. O CDU da chanceler, trabalhou incessantemente por um ponto de compromisso, sem sucesso. Os dois temas de conflito inegociável foram migração e o ambiente. Não foi disputa por cargos ou verbas que inviabilizou o acordo. Ideias irreconciliáveis sobre dois assuntos cruciais na Europa e no mundo de hoje é que separaram os partidos. Foram horas incontáveis de reuniões entre os líderes partidários e grupos focados em políticas públicas específicas e, ainda assim, o impasse não pôde ser removido.
Na imigração, os Verdes se opunham a limites duros à entrada de novos chegantes. O CSU bateu pé por um máximo de 200 mil entradas. O CSU, que representa os interesses poentes do carvão, não aceitou a exigência dos Verdes de antecipar a data da eliminação total do carvão da matriz energética alemã. O FDP fazia exigências irretratáveis em educação e reforma tributária, que nem Merkel podia aceitar. As conversas terminaram em fracasso. O líder do FDP, Christian Lindner, explicou a decisão do partido de não participar do novo governo Merkel: “é melhor não governar, do que governar mal”. No Brasil, como todos sabemos, os partidos preferem governar mal a não governar.
e miramos mesmo o exemplo alemão, creio que a conclusão inevitável para o Brasil é a seguinte: é a prática política, não o modelo… amigos.
* Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. É colaborador do blog com análises do cenário político internacional
Fonte: G1