Ação é motivada por pedido de 61 organizações e redes da sociedade civil ao procurador-geral da República, em julho, e alega “privatização em massa de bens públicos” e prejuízos ao Estado com possibilidade de regularização fundiária a preços abaixo do valor de mercado
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal na última sexta-feira (01) uma ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei da Grilagem, sancionada por Michel Temer em julho.
A ação foi motivada por um pedido de 61 organizações da sociedade civil, que enviaram carta a Janot no dia 28 de julho. A carta é citada no texto da ação.
Segundo o procurador, a Lei no 13.465, “caso não suspensa liminarmente em sua integralidade, permitirá a privatização em massa de bens públicos”. Ela também tem “o efeito perverso de desconstruir todas as conquistas constitucionais, administrativas e populares voltadas à democratização do acesso à moradia e à terra e põe em risco a preservação do ambiente para as presentes e as futuras gerações”.
Entre os argumentos do procurador para decretar a inconstitucionalidade do texto estão questões de forma e de conteúdo. Na forma, a lei seria inconstitucional por ter sido proposta por Medida Provisória, um dispositivo facultado ao Presidente da República apenas para questões urgentes. Segundo Janot, não há urgência na MP 759, que deu origem à lei 13.465, já que a falta de ordenamento fundiário no Brasil remonta “ao período colonial, com a implantação do regime de sesmarias”. O problema urbano alegado por Temer ao propor a MP também é “estrutural, vivenciado há décadas país afora”.
Outro problema é que a MP altera nada menos do que 11 leis diferentes, todas aprovadas pelo Congresso após extenso debate e algumas em vigor há décadas.
Entre as questões de conteúdo apontadas na ação estão argumentos usados pela sociedade civil no pedido ao procurador. Segundo a carta das organizações, a Lei 13.465 “promove a privatização em massa e uma verdadeira liquidação dos bens comuns, impactando terras públicas, florestas, águas, e ilhas federais na Amazônia e Zona Costeira Brasileira”.
Isso porque ela permite a regularização de terras ocupadas ilegalmente entre 2004 e 2011 e amplia a área passível de regulamentação de 1.500 para 2.500 hectares. Além disso, faz a transferência a preço de banana – pela tabela do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que cobra pelo hectare de terra de 50% a 10% do valor de mercado.
Janot faz eco, ao afirmar que a lei “autoriza a transferência em massa de bens públicos para pessoas de média e alta renda (…) o que causará grave e irreversível impacto na estrutura fundiária em todo o território nacional, seja por incentivar a ocupação irregular de terras (“grilagem”) e o aumento de conflitos agrários, seja por suprimir as condições mínimas para a continuidade daquelas políticas constitucionais”. E cita os dados do Imazon que apontam prejuízo para o Estado de R$ 19 bilhões com a regularização pela tabela do Incra apenas na Amazônia.
“O procurador-geral da República ouviu a solicitação de dezenas de organizações da sociedade civil que protestaram contra à concessão de benefícios à grilagem na Amazônia e contra incentivos a mais desmatamento. Agora cabe ao judiciário impor o cumprimento da Constituição”, diz Brenda Brito, pesquisadora do Imazon. “É importante também que a sociedade brasileira continue se manifestando contra medidas tomadas sem o devido debate público e avaliação de impactos na Amazônia.” “A sociedade tem de ficar atenta, pois a ambição dos ruralistas não tem limite algum”, alerta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. Ele enumera novas investidas da bancada ruralista contra o meio ambiente: “Nesta semana eles tentarão destruir o licenciamento ambiental na Câmara, isentando o agronegócio. E ainda vão tentar reduzir a cinzas a Floresta Nacional do Jamanxim, piorando ainda mais o projeto de lei de Temer que já tirava 350 mil hectares da Flona para dar aos grileiros. Sem a contínua pressão do cidadão, ainda corremos enorme riscos de grandes retrocessos.”
Fonte: Observatório do Clima