O presidente Michel Temer e sua base aliada dão mais um passo nesta terça-feira rumo a uma tarefa que parece hercúlea: aprovar a reforma da Previdência. Se o tema espinhoso para qualquer gestão em qualquer lugar do mundo, o desafio, em tese, se complica com um mandatário aprovado por apenas 9% da população, de acordo com o Ibope, e com ele próprio e os principais artífices da proposta que tramita na Câmara dos Deputados cercados pela Operação Lava Jato. Os empecilhos para a sua aprovação, até o momento, porém, pouco têm a ver com a investigação. Apesar do abalo no mundo político, nada parece afetar a conduta dos envolvidos, entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o parlamentar responsável por emitir o parecer da reforma da Previdência, Arthur Maia (PPS-BA). Ambos foram citados na delação da Odebrecht e tiveram inquéritos abertos contra si autorizados pelo Supremo Tribunal Federal.
O relator da reforma da Previdência é apontado por dois delatores como o receptor de 200.000 reais em caixa dois na campanha eleitoral de 2010, mas ele nega as acusações. Já o presidente da Casa, Rodrigo Maia, responde no Supremo sob a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro por ter recebido, pelo menos, 1 milhão de reais em três anos eleitorais, mas ele diz que o teor das delações é falso.
Nesta terça-feira, dia 18, Arthur Maia deve entregar seu relato na comissão especial que analisa o tema enquanto a Câmara, comandada pelo deputado do DEM, prevê que a votação em plenário deva ocorrer na segunda semana de maio. O clima na Casa é definido por um deputado governista que não quis se identificar: “Meus colegas, assim como eu, estão ignorando essa lista. Se não fizermos isso, não vamos viver, nem votar as reformas do Governo”. Os cálculos mais otimistas à gestão Michel Temer (PMDB) mostram que hoje ela teria pouco mais de uma centena de votos. Número bem inferior aos 308 necessários para ser aprovada.
Aliado a isso, o presidente atingiu um patamar de apoio inferior ao que Dilma Rousseff (PT) tinha há um ano, quando foi afastada pela Câmara no processo de impeachment. Pesquisa do Ibope publicada nesta segunda-feira mostra que apenas 9% da população brasileira aprova a gestão Temer. Há um ano, segundo o Datafolha, Dilma tinha o apoio de 13%.
De olho nesta falta de suporte popular e de votos no Congresso Nacional, Temer resolveu agir em duas frentes. No meio político, convocou diversas reuniões para debater as mudanças na previdência. No domingo, reuniu-se com parte de seus aliados que atuam na comissão da reforma. Nesta terça-feira oferece café da manhã para 200 deputados federais e promove um encontro com dezenas de senadores para explicar quais são seus planos para as mudanças e para implorar por votos.
Uma outra vertente é a de irrigar emissoras de televisão e rádio com publicidade governamental, principalmente na região Nordeste. Receberão as maiores cotas de patrocínio apenas as emissoras em que seus apresentadores, principalmente de programas populares, emitirem comentários positivos sobre a reforma previdenciária, de acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. O elo entre as emissoras e o Governo seria feito por parlamentares da base de apoio de Temer, que precisarão buscar maior exposição na mídia no ano que vem, quando disputarão eleição.
Mais concessões
Temer tem acenado com mudanças e concessões para suavizar a reforma e manter as perspectivas de aprovação _uma primeira cara do texto será conhecido nesta terça, mas ele ainda pode mudar bastante na tramitação. A consultoria política Eurasia avaliou que a chance de a reforma da Previdência passar na Câmara com pelo menos 50% da proposta original é de 70%. A lentidão da Justiça é um dos pontos que beneficiariam a gestão Temer em relação à Lava Jato, segundo a análise. “A maioria dos legisladores será conduzida por um senso coletivo de sobrevivência que perceberá a reforma, por mais impopular que seja, como o menor de dois males. Sem ela, a perspectiva de uma recuperação econômica – e até mesmo para a sobrevivência da administração de Temer – seria muito mais sombria”, diz trecho de um relatório da consultoria enviado a clientes do mercado financeiro. O discurso do Planalto a grandes investidores e empresários do país é que é melhor apostar na estabilidade mínima do Governo para obter as reformas de corte liberal do que se arriscar a um desfecho imprevisível da crise ou mesmo uma eleição de cenário bastante volátil em 2018. A verificar se a lógica de sobrevivência descrita será abraçada pelos deputados que também terão de disputar os votos dos eleitores no ano que vem.
POLÍTICOS NEGAM IRREGULARIDADES
Entre os relatores das principais propostas, apenas o relator da Reforma Trabalhista, Rogério Marinho (PSDB-RN), não foi citado nesta etapa da apuração. As mudanças no sistema político não têm data para serem votadas, assim como o pacote anticorrupção, que fora votado no ano passado, mas invalidado pelo STF.
Cândido seria o destino de 50.000 reais como propina para interferir a favor da empreiteira na construção do Itaquerão, o estádio do Corinthians, de acordo com relatos de três ex-executivos da Odebrecht. Já Lorenzoni teria recebido 175.000 reais em 2006 como doação ilegal de campanha, segundo o depoimento de Alexandrino Alencar, um ex-dirigente da empresa. (Leia suas defesas no texto ao lado).
Citados como receptores de recursos ilícitos, os três deputados relatores de importantes projetos na Câmara negaram qualquer irregularidade. Arthur Maia (PPS-BA) disse que todas as doações para suas campanhas foram registradas. Vicente Cândido (PT-SP) afirma inocência, diz que está à disposição dos investigadores e critica a mídia, afirmando que ela trata as aberturas de inquéritos como condenações. Onyx Lorenzoni (DEM-RS), nega qualquer recebimento ilegal e diz que se alguém comprovar que ele esteve na Odebrecht reunindo-se com executivos da empreiteira, renunciará ao mandato.
Fonte : El País