A Casa Civil liberou os deputados federais para votarem o polêmico substitutivo do deputado federal Mauro Pereira (PMDB/RS) ao PL 3729/04, que cria um novo “sistema” de licenciamento ambiental. Pereira é relator do substitutivo que acaba, na prática, com o licenciamento ambiental brasileiro.
A Casa Civil deveria encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta em elaboração, fruto do trabalho integrado dos Ministérios do Meio Ambiente, Agricultura, Minas e Energia, Infraestrutura, entre outros, que compatibilizavam trechos dos substitutivos aprovados anteriormente nas Comissões Meio Ambiente e de Agricultura, elaborados respectivamente pelos deputados Ricardo Tripoli (PSDB/SP) e Moreira Mendes (PSD/RO). Porém, o governo federal declinou de apresentar a proposta, para a surpresa de todos que estavam contribuindo para um novo marco regulatório.
Em meio a uma semana tumultuada e diante de uma grande crise institucional, a Casa Civil optou por apoiar a proposta do deputado federal Mauro Pereira – que flexibiliza regras vigentes e beneficia diretamente atividades irregulares.
O substitutivo de Mauro Pereira permite a dispensa e a simplificação do licenciamento, sem critérios ou diretrizes gerais da União, o que fere princípios constitucionais e cria insegurança jurídica, sem resolver o problema fundamental.
Delega aos estados e municípios, autonomamente, a definição de quais empreendimentos estarão sujeitos ao licenciamento ambiental, de acordo com a natureza, porte e potencial poluidor, sem que esteja prevista qualquer orientação em nível federal sobre os critérios para tal definição. Essa discricionariedade, incluída no artigo 3o do substitutivo, desconsidera biomas, bacias hidrográficas e áreas estratégicas para conservação, enfraquecendo a União na competência de dar diretrizes gerais para a proteção do meio ambiente. O dispositivo permite, por exemplo, que uma mineração seja dispensada de licenciamento em um estado e submetida à licenciamento ordinário com EIA/Rima em outro. Essa medida poderá gerar uma verdadeira “guerra de flexibilização do licenciamento ambiental” entre estados e municípios, à exemplo da deletéria “guerra fiscal” que o país vem tentando resolver.
O texto praticamente anistia e desobriga empreendimentos implantados sem licença de compensatórias por passivos para regularização, limitando apenas os impactos ao meio físico. Caso venha a ser aprovado, impediria, por exemplo, a implantação de infraestrutura de saneamento básico para as comunidades afetadas pela hidroelétrica de Belo Monte, por não reconhecer o impacto socioambiental da obra. Deixaria descobertos também moradores e comunidades das áreas afetadas pelo dano da Samarco, na bacia do rio Doce, a quem caberia simplesmente recompor, quando muito, matas ciliares danificadas, desconsiderando ainda potenciais danos futuros que a atividade pode acarretar.
A proposta dispensa do licenciamento ambiental as atividades agropecuárias e de florestas plantadas, à exceção da instalação de novas atividades quando houver restrições a sua implantação, estabelecidas por lei específica. O único zoneamento agroecológico aprovado atualmente no país é o da cana-de-açúcar. Sendo assim, não havendo qualquer restrição legal, a entrada em vigor da lei proposta liberaria de forma generalizada as atividades de agricultura e floresta plantada. O texto pode afetar também áreas protegidas, patrimônios tombados, quilombolas e terras indígenas, entre outros instrumentos da legislação ambiental brasileira.
Um tema tão importante e estratégico como esse não pode ser discutido e votado sem transparência e participação da sociedade.
Votar o substitutivo de Mauro Pereira ao PL 3729/04, com apoio da Casa Civil, neste difícil momento do país e no encerramento do ano legislativo, sugere uma afronta à sociedade brasileira e às instituições.
O licenciamento ambiental assegura a vida e garante a ordem social, mas depende de eficiência, orçamento e estrutura adequados para atender às demandas da sociedade com agilidade e competência. O sucateamento e o desmonte do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) levaram à burocracia desnecessária e lentidão nos processos.
O Brasil precisa de uma lei moderna, que defenda o meio ambiente e a sociedade, sem retrocessos e faça do licenciamento ambiental um instrumento arrojado de ganho para o desenvolvimento socioambiental no país.
Fundação SOS Mata Atlântica