Goiás pode entrar para a história como o estado que ajudou a livrar da extinção um grande número de espécies de animais, nascentes e ecossistemas ameaçados de desaparecer do mapa. Ou então, pagar uma pesada fatura que a própria história se incumbirá de cobrar.
O governador Marconi Perillo tem diante de si uma escolha a fazer. Se atender aos apelos dos cientistas e ampliar o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, conforme o desenho já discutido entre técnicos estaduais e o Ministério do Meio Ambiente – que aumenta a área protegida dos atuais 65 mil para 222 mil hectares de faixa contínua – terá em sua biografia algo para se orgulhar no futuro. Se virar as costas para esses apelos, estará condenando parte da biodiversidade do seu estado natal a um fim lamentável.
A opinião é do herpetólogo, doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília, Reuber Brandão, que há décadas desenvolve pesquisas e forma novos estudiosos em biodiversidade na Chapada dos Veadeiros.
Segundo ele, o governo de Goiás está diante de uma escolha civlilizatória, que afetará a toda a sociedade. Nesta entrevista, Brandão defende que Perillo faça uma escolha sensata, e aproveite a Conferência da Biodiversidade (COP 16) de Cancún para dar uma boa notícia ao mundo.
Leia os principais trechos.
Por que a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros pode interessar a uma parcela mais ampla da sociedade?
A área pretendida para a ampliação, em um total de cerca de 222 mil hectares, se mantida de modo íntegro, como prevê o desenho original orientado por pesquisas e audiências públicas, vai abarcar nove tipos de ecossistemas que hoje não têm proteção integral no atual parque, como o cerrado de altitude e formações florestais, entre elas, as matas secas. Esses ambientes estão entre as terras mais antigas do planeta. Guardam espécies raríssimas, desde orquídeas aos grandes mamíferos, aves, anfíbios, insetos. Sem contar que a ampliação também vai proteger centenas de nascentes que abastecem os rios da região, garantido água, inclusive para o agronegócio que sustenta a economia do estado. Os rios que nascem na Chapada também alimentam a bacia Amazônica.
Vai além das fronteiras locais.
Sim. Aumentar a proteção daquela área significa garantir para o futuro um acervo genético que levou milhões de anos para evoluir. Esse estoque evolutivo é único no mundo. É o caso dos tatu-canastra e do tamanduá bandeira, espécies da região e que evoluíram para viverem nesse ambiente. O lobo-guará também. Ele é um tipo de raposa que desenvolveu longos membros para melhor se adaptar à savana. O pato-mergulhão é uma ave que só não despareceu do mapa porque ainda tem na Chapada dos Veadeiros habitats apropriados, com rios livres, de leito rochoso e água límpida. Por isso a importância de ganhar aquelas áreas para a conservação. Essa história evolutiva transcende as fronteiras de Goiás. Interessa a todo o mundo.
A atual área do parque com cerca de 65 mil hectares não basta para garantir a sobrevivência das espécies?
Ampliar a área seria corrigir um erro histórico. Quando foi criado na década de 1960 por Juscelino Kubitscheck como Parque Nacional de Tocantins, a área protegida tinha 650 mil hectares. De Médici para Figueiredo, o parque foi reduzido a um décimo do que era. Depois o Fernando Henrique Cardoso tentou ampliar, mas o decreto de ampliação caiu no STF. Apesar disso, o parque de Veadeiros manteve seu título de Patrimônio Mundial, pela Unesco. Até isso pode entrar em risco se não for ampliado corretamente. E se pensamos nas populações de antas, onças, lobos-guará e de grandes gaviões, estamos falando de animais que precisam de vastas extensões para caçar e sobreviver. A águia cinzenta, que ocorre na região, já não tem sido vista pelos pesquisadores com a mesma frequência.
Qual o caminho a ser seguido pelo estado de Goiás para fazer jus a essa responsabilidade diante do mundo?
Os estudos para ampliar o parque estão prontos, fazem parte de um decreto que está na Casa Civil da Presidência da República. Goiás precisa apenas dar anuência e dizer ‘sim’ à proposta, que contempla acima de tudo a conservação da biodiversidade e os recursos hídricos. Neste momento, este é o critério que deve ter mais peso. O Cerrado vem perdendo rapidamente sua cobertura vegetal. Proteger essas novas áreas na Chapada e integrá-las ao parque vai ajudar a segurar o futuro desse bioma – um dos mais diversos do mundo e também um dos mais ameaçados. As questões fundiárias estão previstas no projeto de ampliação do governo federal, e já há entendimentos para que tudo se resolva conforme a lei. O momento é de seguir adiante e garantir esse último naco de Cerrado do Brasil Central.
É uma escolha que vai ter impactos futuros na imagem do governo?
É uma escolha civilizatória. Se o governo do estado virar as costas para a biodiversidade vai condenar à extinção diversas espécies de animais e plantas. Desde anfíbios minúsculos até os mamíferos, aves, serpentes, felinos e canídeos que evoluíram como espécie naquele ambiente natural, todos estarão em risco. É como se pegássemos um acervo que pertence a toda a humanidade e o deixássemos ruir, sem cuidado, sem proteção. Eu pensaria melhor antes de deixar essa página escrita em minha biografia.
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Fonte : WWW Brasil