Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quarta-feira (1º), recebeu parcialmente a denúncia oferecida pelo Procuradoria Geral da República (PGR) no Inquérito (INQ) 2593, contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), pela suposta prática do crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal (CP). Segundo a peça acusatória, o senador teria desviado parte da verba de representação parlamentar, cuja finalidade é unicamente a de custear despesas no exercício do mandato, para pagar pensão alimentícia a filha. A denúncia foi rejeitada em relação aos crimes de falsidade ideológica (artigo 299 do CP) e uso de documento falso (artigo 304 do CP). Com o recebimento da denúncia, Renan Calheiros passará a responder como réu em ação penal no STF.
Votaram pelo recebimento da denúncia, em diferentes extensões quanto ao pedido da PGR, os ministros Edson Fachin (relator), Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Pela rejeição da denúncia, votaram os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes.
Recebimento
Segundo a denúncia, constatou-se que no período de janeiro a julho de 2005 o senador, ao prestar contas da verba indenizatória, apresentou 14 notas fiscais emitidas em seu nome pela empresa Costa Dourada Veículos Ltda., cada uma delas no valor aproximado de R$ 6,4 mil, mas não foram encontrados lançamentos nos extratos bancários da empresa que correspondam ao pagamento. Tal procedimento caracterizaria o crime de peculato (apropriação de recurso público do qual tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio).
O relator do inquérito, ministro Edson Fachin, cujo entendimento foi seguido pela maioria, salientou que ainda não está sendo feito juízo de mérito, mas apenas a análise quanto à existência de indícios mínimos de autoria e materialidade suficientes para dar prosseguimento à persecução penal. Ele ressaltou que, nesta fase processual, a dúvida pende em favor do recebimento da denúncia, já que o Ministério Público, a partir dos indícios, tem o dever e o direito de provar, no curso da instrução processual, acima de dúvida razoável, que a descrição do fato típico que traz na denúncia é verídica. “Só se rejeita a denúncia se não houver sequer indícios de materialidade e autoria. Não é o caso”, afirmou, em relação à denúncia por peculato. Seguiram seu entendimento nesse ponto os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Teori Zavascki, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
Também por maioria, o Plenário rejeitou a denúncia de falsidade ideológica em relação às informações contidas em Guias de Trânsito Animal (GTAs) e Declarações de Vacinação Contra Febre Aftosa, apresentadas pela defesa para demonstrar que os recursos para o pagamento da pensão seriam provenientes da atividade rural de Calheiros.
Segundo a PGR, as discrepâncias verificadas nos documentos, que apontam diferença entre animais transportados, animais vacinados e a quantidade declarada em notas fiscais de venda, seriam indícios de que os números teriam sido inflados para demonstrar renda inexistente. A denúncia foi considerada inepta nesse ponto porque, como a PGR não informou qual das informações é falsa, o suposto fato criminoso não foi exposto em todas suas circunstâncias, o que dificulta o exercício da defesa. “Para imputar a falsidade ideológica de uma dada GTA, cumpriria ao Ministério Público demonstrar e apontar na denúncia qual informação específica do documento está em desacordo com a verdade, não bastando dizer que está em descordo com outros documentos”, afirmou o relator.
Ficaram vencidos nesse ponto os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Marco Aurélio, que acolhiam a denúncia também quanto à imputação de falsidade ideológica.
Divergência
Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes divergiram do relator e votaram pela rejeição da denúncia também quanto à imputação do crime de peculato. Ao abrir a divergência, o ministro Toffoli assinalou que a PGR, para reputar inexistente a prestação de serviços de locação de veículos, baseou-se apenas na ausência de lançamentos bancários relativos às notas fiscais, “como se o pagamento só pudesse ser feito via transferência bancária”. Segundo a defesa, os pagamentos foram feitos em espécie.
O ministro destacou ainda que a empresa não é de fachada, foi constituída em 1995 e emitiu notas fiscais que não foram impugnadas nem apontadas como inverídicas. Para Toffoli, o recebimento da denúncia exige a demonstração fundada em elementos probatórios mínimos e lícitos da realidade material do ato delituoso. “No ato concreto, a conclusão de que não houve a prestação de serviços pela mera ausência de registro bancário é uma ilação sem base empírica idônea”, concluiu.
Prescrição
Foi declarada, por unanimidade, a prescrição da pretensão punitiva dos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso, em relação aos documentos particulares (recibos de compra e venda de gado, notas fiscais de produtor, declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física, Livros Caixa de Atividade Rural e contratos de mútuo firmados com a empresa Costa Dourada Veículos Ltda.), também utilizados para demonstrar capacidade financeira decorrente de lucros auferidos com atividade rural para fazer frente aos pagamentos da pensão.
Caso
Os fatos apurados no inquérito se originaram de representação apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) junto ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal para apurar notícias de que a pensão alimentícia paga a uma filha do senador estaria sendo custeada pelo preposto de uma empreiteira. Entre as razões da suspeita, apontou-se o descompasso entre a suposta renda declarada pelo senador e o valor do dispêndio mensal a título de pensão. Com o desenrolar das apurações, Renan Calheiros alegou que possuía renda lícita suficiente para arcar com o valor a que estava obrigado, apontando como fontes seus subsídios de senador e lucros da atividade pecuarista.
No curso da investigação parlamentar, o senador apresentou documentos que justificariam sua atividade de criação de gado e renda suficiente para arcar com os valores, o que afastaria, em tese, a suspeita de que o pagamento da pensão por terceiros constituiria propina. A partir daí, foram realizados exames periciais nos documentos, a fim de averiguar se seriam capazes de provar renda suficiente. Essa investigação embasou o procedimento investigatório do Ministério Público Federal.
Depois de instaurado inquérito no STF e decretada a quebra de sigilo bancário do senador, a PGR apontou indícios de que parte da verba indenizatória estaria sendo apropriada ou desviada.
Outra ação – Em novembro passado (03) a Corte analisou uma ação do partido Rede Sustentabilidade, que argumenta ser inconstitucional que políticos processados por crimes estejam na linha de sucessão do presidente da República. A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para impedir que um réu em ação penal possa assumir a presidência da Câmara, do Senado e do próprio STF. O julgamento, no entanto, foi interrompido com um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, que disse precisar de mais tempo para analisar o tema.
Assim, a sessão foi interrompida após 6 dos 11 ministros da Corte votarem para impedir que um réu esteja na linha de sucessão presidencial. Não há data para retomada da análise e, portanto, para uma decisão definitiva da Corte sobre o assunto. Em tese, os ministros que já votaram podem alterar o entendimento quando o julgamento for retomado.
Fonte :com/ STF