O rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro passado, foi apenas o ponto de partida da maior tragédia ambiental do Brasil. Quase um ano após 40 bilhões de litros de lama matarem 19 pessoas e se espalharem por 650 km, o rejeito de minério não removido pela mineradora Samarco pode agravar o desastre.
O período chuvoso, que já começou e vai até março pelo menos, traz o risco de que a lama derramada pela empresa volte a poluir os rios, mate peixes e fauna marinha, corte abastecimento de água e prejudique a população ribeirinha, de Mariana, em Minas Gerais, ao litoral do Espírito Santo.
Em Bento Rodrigues, povoado de Mariana destruído pela lama, a mineradora de propriedade da Vale e BHP Billiton optou por construir um dique (chamado S4) que alaga parte do terreno, já que, segundo ela, a retirada da lama do local demandaria muito tempo e uma engenharia complexa.
A obra é contestada pelo Ministério Público Federal e irrita ex-moradores, que pedem respeito pelas suas memórias. A mineradora responde que “lamenta” a tragédia, mas que se preocupa com as populações que estão rio abaixo.
No entanto, as populações rio abaixo continuam sujeitas a problemas. Em vistoria feita neste mês, o Ibama verificou que “não foi constatado nenhum ponto com remoção do rejeito, sendo que, em 12%, se verificou, em vez disso, a incorporação do rejeito ao solo natural”.
Segundo o órgão ambiental federal, a empresa “tem utilizado técnicas de incorporação de solo sem sequer avaliar possível retirada do rejeito”. Na terça (25), a presidente do Ibama, Suely Araújo, disse que a retirada de lama da beira dos rios “está muito devagar”.
Em nota, a Samarco disse que está prevista a retirada de 1 bilhão de litros de lama da região de Bento Rodrigues e que a remoção de rejeitos ao longo dos outros pontos dos rios “está sendo pauta de discussão” no comitê interfederativo. A empresa também diz que tem trabalhado no controle de erosão.
Entre os dias 6 e 17 de outubro, a Folha viajou por toda a região impactada, entre Mariana (MG) e Linhares (ES), e à cidade espírito-santense de Anchieta, para onde a Samarco escoava a produção. No caminho, encontrou atingidos que ainda não conseguiram retomar as suas vidas normalmente e municípios que tiveram a receita devastada pela ruptura.
O carro alugado pela reportagem chegou a ser abordado por pessoas que pensavam se tratar de veículo da mineradora e queriam cobrar compensações. “A gente não precisa ficar balançando vara de pescar para dizer que somos atingidos. Todo mundo aqui é ribeirinho e foi afetado”, reclamou Josias Silva, 56, presidente de uma associação comunitária em Aimorés (MG), ao parar os repórteres.
A Samarco, a Vale e a BHP Billiton, criaram uma fundação, chamada Renova, que tenta assumir o ônus da recuperação de uma forma que desligue o processo dos nomes das empresas que a financiam.
As compensações aos atingidos ficarão por conta da fundação, que diz ainda estar mapeando as pessoas que não receberam cartões de auxílio pelas perdas –um salário mínimo mensal por família, mais 20% para cada dependente e uma cesta básica. Indenizações ainda são discutidas.
Na quinta (20), 21 membros das três mineradoras foram denunciados pelo Ministério Público Federal sob acusação de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar).
Para a força-tarefa de procuradores, as acionistas sabiam de uma série de problemas –como erosões internas– que aconteceram na barragem de Fundão desde a sua inauguração, em 2008, mas priorizaram o lucro da operação em detrimento da segurança. A Samarco, a Vale e a BHP “repudiaram”, em nota, a denúncia.
Fonte : Folha de São Paulo