Político condenado por abuso de poder pode concorrer no pleito de 2016, em Mato Grosso do Sul. Ministro Luís Roberto Barroso negou reclamação feita por Rodrigo Janot, que contesta decisão permitindo candidatura de Nelson Cintra Ribeiro.
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou reclamação em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, questionava a decisão da Justiça sobre um pedido de “quitação eleitoral” – documento que confirma que o eleitor está em dia com as leis pertinentes. O pedido havia sido aceito e beneficiado o político sul-mato-grossense Nelson Cintra Ribeiro, sem levar em consideração a Lei da Ficha Limpa. Na reclamação (RCL 24224), o procurador argumenta que Nelson foi condenado a inelegibilidade de três anos pelo Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul (TRE-MS) por abuso de poder político. Entretanto, apesar de os fatos serem referentes ao pleito de 2008, conforme a redação anterior da Lei 64/1990, alterada posteriormente pela Lei da Ficha Limpa, a inelegibilidade atribuída deveria ser de oito anos, e não três, como acatado pelo tribunal.
Na decisão, Barroso afirmou que ainda está em análise no STF a possibilidade de aplicação do prazo de oito anos de inelegibilidade em casos específicos de abuso de poder e em situações anteriores à Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). Apesar da constatação, Janot diz que a decisão do ministro afronta a autoridade do Supremo, verificada nas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) 29 e 30 e da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4578, nas quais, segundo o procurador-geral, o STF entendeu ser possível a aplicação da Lei da Ficha Limpa a fatos anteriores à sua vigência.
Para o ministro, não há certeza de que a questão tratada nesse caso foi adequada e especificamente analisada pelo plenário do Supremo, durante o julgamento da Lei da Ficha Limpa. Ele lembrou que alguns ministros se manifestaram em sentido contrário à possibilidade de aplicação retroativa do prazo. O julgamento do recurso foi suspenso após o ministro Luiz Fux pedir vista. Mesmo assim, dois ministros seguiram Barroso e votaram pela irretroatividade.
Em parecer, Barroso observou o perigo de que eventuais decisões cautelares passem a se tornar irreversíveis, com efeitos nos próximos pleitos. “Com o início do período eleitoral, avizinham-se as convenções partidárias e o registro de candidatura, de modo que o deferimento da liminar poderia implicar a perda dos respectivos prazos pelo beneficiário da decisão reclamada”, explicou.
Pré-requisito
A questão suscita divergências. O advogado Marcelo Aith, especialista em Direito Eleitoral da Aith Advocacia, avalia que a decisão do ministro Barroso “se choca frontalmente” com o veredito do STF sobre a Lei da Ficha Limpa. Ele explica que a Justiça Eleitoral tem pré-requisitos que precisam ser preenchidos pelos candidatos. Um deles é justamente não ser inelegível.
“Se choca porque a ilegibilidade já foi decisão do STF, que expressamente fala que não é uma pena imposta, mas sim um regime jurídico que o candidato deve se adaptar. Na verdade, você não impõe uma penalidade ao candidato. O candidato que precisa se adequar à lei que está em vigor no momento da eleição. E hoje, é a Lei da Ficha Limpa, que alcança não só o que foi decidido pelo STF na ADI, mas também nos demais artigos, inclusive no artigo 22?, explica o advogado ao Congresso em Foco.
Marcelo Aith acredita ainda que a questão, ao ser levada à aprovação do plenário do STF, “com certeza vai manter a decisão sobre a constitucionalidade da Ficha Limpa nas eleições deste ano”, impedindo que Nelson Ribeiro participe das eleições municipais de outubro. “Para mim, o STF vai dar interpretação conforme a Constituição e vai aplicar a lei.”
Precedente
Um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o ex-juiz Márlon Reis, pensa da mesma forma. Ele alerta para o grande número de pessoas acusadas por abuso de poder que podem se beneficiar da decisão do ministro do STF.
Márlon disse à reportagem que o próprio Supremo acompanhou o voto do relator sobre a inelegibilidade retroativa, ou seja, referentes a acusações anteriores à validação da lei. Ele enfatiza esperar “que a rigidez inerente à Lei da Ficha Limpa seja preservada” pelos ministros quando a matéria for julgada pelo plenário da Corte. Para Márlon, a reclamação apresentada por Rodrigo Janot é “completamente válida”.
“Esse tema foi expressamente tratado na constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Creio que o plenário deve resgatar o que ele próprio decidiu, e manter a inelegibilidade nesse caso. Um número muito grande de pessoas acusadas por abuso de poder pode se beneficiar dessa decisão. Eu torço para que o plenário seja provocado e cumpra o entendimento original”, ressalta o advogado Márlon Reis.
“Nós não podemos relativizar as conquistas da Lei da Ficha Limpa. É preciso preservar o sentido original de uma lei que foi tão duramente conquistada. Ela já recebeu a palavra positiva não só do STF, mas de toda a sociedade brasileira. Nós esperamos que a rigidez inerente à Lei da Ficha Limpa seja preservada”, acrescenta.
Fonte : Congresso em Foco