Há exatos dois meses uma tsunami de lama sepultava a bacia do Rio Doce e levava junto a imagem de uma mineradora que se orgulhava de ser a 1ª do mundo a obter a certificação ISO 14.001 (de gestão ambiental).
Se no mundo corporativo repete-se como um mantra que é preciso proteger a todo custo a “imagem, o prestígio e a reputação” de uma empresa, como explicar que a Samarco tenha cometido tantos erros?
O que dizer, por exemplo, do rudimentaríssimo sistema de alerta por telefone, que tentou – sem sucesso – “ligar” para as pessoas de Bento Rodrigues para que deixassem imediatamente o local? Nem o líder comunitário – que num primeiro momento a Samarco disse ter acionado – foi efetivamente contactado. Valeu a pena a economia obtida com a não instalação de um sistema de sirenes ou alto-falantes? É possível que o número oficial de mortos até agora (17) fosse menor, se os sistemas de alerta fossem mais eficientes.
Como explicar que 60 dias após a tragédia não se saiba ainda a causa do rompimento da barragem? Como justificar que a Samarco só tenha desembolsado algum dinheiro para remediar minimamente situação dos desabrigados (R$20 mil e o custeio de alojamentos provisórios) após cobranças insistentes do Ministério Público? O que explicaria o fato da empresa só ter se dignado a mobilizar recursos para o resgate e tratamentos dos muitos animais atingidos pela onda de lama após sucessivos apelos do mesmo Ministério Público?
Qual o plano de revitalização da bacia do Rio Doce, quanto custa e quem paga?
Qual a dimensão dos impactos acusados pela lama de rejeitos que ainda se expande no litoral capixaba?
Foi tão escandalosa a omissão da empresa (e de suas acionistas Vale e BHP Billiton), bem como das diferentes esferas de governo – com sistemas fragilíssimos de licenciamento e fiscalização – que a maior tragédia ambiental do Brasil mereceu um puxão de orelhas público da ONU.
Especialistas das Nações Unidas classificaram de “inaceitável” a resposta do governo e das empresas ao desastre de Mariana.
“As providências tomadas pelo governo brasileiro, a Vale e a BHP para prevenir danos foram claramente insuficientes. As empresas e o governo deveriam estar fazendo tudo que podem para prevenir mais problemas, o que inclui a exposição a metais pesados e substâncias tóxicas. Este não é o momento para posturas defensivas”, disseram os técnicos da ONU que acompanharam de perto a situação.
A tragédia de Mariana se transformou num case internacional (negativo) de como não se deve licenciar uma atividade mineradora, como não se deve fiscalizá-la, como não se deve operá-la, como não fazer contenção de danos ou remediação de desastre.
Resta a esperança de que todas as muitas promessas de ressuscitação da Bacia do Doce sejam cumpridas. Mas isso só acontecerá de fato se a tragédia de Mariana não cair no esquecimento. Que o dia 5 de novembro seja sempre lembrado como o dia da infâmia.
Crédito da foto: Reprodução/ Rede Globo