Na última campanha presidencial, mais de 80% das doações aos principais candidatos — Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) e Marina Silva, que substituiu Campos — vieram de empresas privadas. O dado é de levantamento do GLOBO feito a partir das prestações de contas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao todo, Dilma recebeu 95% de doações de pessoas jurídicas, incluindo o que foi repassado à campanha via comitê financeiro único e direção estadual/distrital e nacional, e 83% se esses três itens não forem incluídos. Aécio e Marina receberam 87% e Campos, 91%, incluindo todos os repasses. Os dados consideram os valores estimados e financeiros.
O alto percentual visto nas doações feitas em 2014 é apenas um exemplo do quanto as campanhas no Brasil vêm sendo financiadas por empresas privadas. E no momento em que o Supremo retoma o julgamento da constitucionalidade dessas doações, juristas ouvidos pelo GLOBO divergem sobre a proibição dos repasses.
— O melhor modo de combater a corrupção é proibindo o financiamento de campanha por empresários. É elementar. A Constituição diz que a influência do poder econômico é perturbador, mas no Brasil os partidos se interessam por contribuições que enveredam por um caminho inconstitucional. E as empresas financiam campanhas de modo interesseiro, querendo ficar ao lado de quem estiver no governo — diz o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, lembrando que o “o aparato econômico desequilibra o jogo e dificulta a paridade em algumas campanhas”: — Para mim, reforma política para valer é proibindo, acabando com essa parceria do poder político e do poder econômico.
De acordo com o ex-ministro, a proibição desestimularia a prática de caixa dois.
— A Constituição aponta que a corrupção é a principal fragilidade do país. Se o financiamento for proibido, o caixa dois será dificultado, pois quem financiar estará se comportando de modo criminoso e o Brasil de hoje é diferente. Cruzando dados, descobre-se tudo.
Segundo Ayres Britto, os partidos deveriam receber doações de quem se identifica ideologicamente com seus programas:
— Os filiados, os políticos já eleitos, a sociedade civil. Mas há uma disfunção e os partidos já se desinteressaram dessas fontes naturais.
Professor da Uerj, Gustavo Binenbojm diz acreditar que o STF julga a inconstitucionalidade da lei em vigor:
— Declarar inconstitucional não impede que surja uma reforma na lei eleitoral. Podem estabelecer um teto para evitar abuso econômico e proibir que uma mesma empresa doe para vários partidos e candidatos, não permitindo que procure ficar bem com todos os futuros governantes. Agora, com a proibição total, não tenho dúvida de que a tendência é o caixa dois crescer. Acabar com a doação legal não acaba com a ilegal.
Binenbojm diz ainda ser necessário um redesenho que permita diminuir os custos das campanhas, possibilitando que haja “paridade razoável, com debate de ideias e não de marketing”:
— Não adianta repensar o financiamento sem repensar o modelo. E esse redesenho não depende do pontapé do Supremo, mas do Congresso. A legislação deve permitir campanhas mais baratas, igualitárias e menos midiáticas.
Fonte : O Globo