Em somente quatro anos de trabalho na maior floresta tropical do mundo, a Amazônica, pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi descobriram a existência de 169 novas espécies da fauna e da flora. O levantamento, que contou com a participação de quase mais cientistas do que espécies, será anunciado nesta quarta-feira, 19, pelo museu.
Entre os achados, estão 14 plantas e 155 animais, sendo a maioria (112) de aracnídeos. Há ainda 12 espécies de peixes, 10 de aves, 10 de anfíbios, 6 de répteis, 4 de dípteros (grupo dos mosquitos e moscas) e um mamífero – um pequeno primata.
A distribuição mais pendente para o lado dos invertebrados não surpreende, uma vez que obviamente eles ocorrem em maior quantidade na natureza. No entanto as descobertas nessa área sempre foram um pouco mais lentas – tanto pelas inúmeras dificuldades em estudar animais tão diminutos quanto pelo pouco interesse do público em geral em espécies que não estão claramente à vista.
O novo achado, segundo o zoólogo Alexandre Bonaldo, ganhou em rapidez por estar inserido em um grande projeto internacional que visa identificar, em todo mundo, gêneros e espécies da família Oonopidae – que reúne pequeníssimas aranhas de 2 mm a 5 mm.
O Inventário da Biodiversidade Planetária (PBI, na sigla em inglês) envolve pesquisadores de 20 instituições de todo o mundo e permite que eles descrevam espécies em uma plataforma online.
“Com as ferramentas cibernéticas é possível fazer descrições estruturadas, que podem ser comparadas com as dos outros colegas, o que facilita e acelera a descoberta de novidades”, afirma o pesquisador.
Bonaldo trabalhou basicamente com exemplares que estavam há muitos anos em coleções de museus aguardando identificação. “Descrever invertebrado é uma coisa sem fim. É uma diversidade tão grande, e as pessoas tendem a não prestar muita atenção, mas são peças importantes do ecossistema. Para preservar é preciso saber o que tem ali”, diz.
Essas aranhas, em especial, são predadoras, que comem outros pequenos insetos e acabam atuando no processo de decomposição da matéria orgânica que se acumula no solo, na chamada serrapilheira (camada do solo de florestas feita de folhas e ramos misturados à terra).
Vertebrados. Entre os animais maiores descritos agora destaca-se o um novo macaquinho, o Mico rondoni, que, como o nome leva a entender, existe somente em Rondônia, na área entre os Rios Mamoré, Madeira e Ji-Paraná. Por muito tempo ele foi confundido com uma outra espécie, o Mico emiliae, que ocorre no Pará. A nova espécie está ameaçada pelo intenso desmatamento no Estado, principalmente no entorno da BR-364.
Nessa mesma região também foram descobertas recentemente novas espécies de aves, como a Hylophylax naevius, popularmente conhecida como guarda-floresta. Ela ainda não foi descrita, o que indica que muitas espécies ainda estão por surgir.
As descobertas dos últimos quatro anos chamam atenção pela grande quantidade em pouco tempo. O último levantamento em massa do museu – o Catálogo de Espécies do Milênio, apresentado em 2012 – trazia, por exemplo, 130 novas espécies descritas ao longo de 11 anos de pesquisa da instituição.
Segundo Marlucia Martins, coordenadora do grupo de pesquisa em biodiversidade do museu, houve uma melhora nos últimos anos do planejamento sobre o que pesquisar e isso acabou garantindo um resultado imediato.
“Não existe fórmula para descobrir novas espécies, é acaso, mas algumas coisas melhoram a probabilidade de achar, como ir para lugares poucos explorados, tanto geográficos quanto no próprio ambiente, como olhar mais para o solo e a copa das árvores. Também passamos a investir mais nas coleções científicas. Além disso várias descobertas foram feitas com a ajuda da biologia molecular, que permite distinguir várias espécies que antes se imaginava ser uma só. Isso acelera bastante, quebra a barreira de usar só uma fonte para identificar, como a morfologia”, explica.
Foi isso que possibilitou, por exemplo, que se descobrisse o torom-de-alta-floresta (Hylopezus whittakeri), ave que sempre foi confundida com o torom-carijó (Hylopezus macularius). De acordo com a pesquisadora, a expectativa é aumentar de 20% a 30% o número de novas espécies só no grupo de aves, e somente usando a biologia molecular.
O Estado de São Paulo