Uma ação que envolveu mais de cem agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), auditores do Ministério do Trabalho, promotores do Ministério Público e advogados da União levou ontem à autuação e interdição de dez carvoarias na região de Bragança Paulista, no interior de São Paulo, por irregularidades que vão do trabalho infantil e análogo à escravidão, desmatamento ilegal de mata nativa até a construção de fornos em áreas de risco, como nas proximidades de gasodutos da Petrobras. Batizada de “Operação Gato Preto”, a blitz deve continuar pelo menos até a próxima terça-feira.
Em todos os locais vistoriados ontem, havia problemas de empregados sem registro em carteira de trabalho. Em três carvoarias, os auditores identificaram 19 pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão. Também foram encontrados sete adolescentes (menores de idade) trabalhando em outras três.
Em Joanópolis, na Carvoaria ME, os fiscais se surpreenderam ao constatar a presença de quatro menores, com idades entre 13 e 17 anos, quebrando, pesando e embalando carvão para a marca São José, uma das maiores de São Paulo e que distribui seus produtos para grandes redes nacionais de supermercados. — Deixo claro que todos os funcionários estão pagos —reagiu José Carlos de Oliveira, o dono da ME, conhecido como Carlinhos, ao ser abordado pelos fiscais, tentando em seguida demovê-los da decisão de interditar o seu negócio: — Eu devo para o fornecedor de lenha, tenho outros compromissos. Se não puder trabalhar, como vou pagá-los?
Supermercados compram o produto – Com o rosto e os braços pretos de pó de carvão, sem máscaras e luvas de proteção, Elisângela, de 19 anos, contou que está há dois meses no emprego. Com outros quatro companheiros, entre os quais os quatro menores, afirmou que chegam a embalar até 2.800 sacos (de dois e quatro quilos cada um) de carvão São José por dia — o que soma 5,6 toneladas diárias.
Em outras três carvoarias de Piracaia, os fiscais encontraram situação ainda pior que as de Elisângela. Lá, além de trabalharem sem proteção, 19 trabalhadores não tinham registro em carteira, água potável para beber e dormiam em alojamentos em péssimas condições. Tão ruins que uma das auditoras do Trabalho disse nunca ter visto algo parecido em seus cinco anos na profissão. Essas foram as carvoarias autuadas por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão.
A investigação que resultou na operação “Gato Preto”foi conduzida pelo serviço de inteligência da PRF ao longo de dois meses. Diante das evidências de que os empreendimentos mantinham trabalhadores em condições degradantes, o Ministério decidiu agir. — É um pedacinho do Maranhão dentro de São Paulo. É inadmissível existir trabalho escravo quase na periferia de São Paulo — disse Luiz Antônio de Medeiros, superintendente do Ministério do Trabalho em São Paulo, que acompanhou a operação.
A operação agora terá sequência com a inspeção em todas as demais carvoarias da região, segundo Medeiros, e também com a notificação das marcas de carvão que usam as carvoarias como fornecedoras, além dos supermercados que compram os produtos dessas empresas. — Vamos acompanhar toda a cadeia, inclusive as grandes redes de supermercados, que têm que saber de quem estão comprando o carvão. Vamos investigar toda a cadeia — disse. Em toda a região de Bragança Paulista, que fica a 90 quilômetros de São Paulo, há cerca de 150 carvoarias funcionando em pequenas propriedades e cheias de irregularidades.
Muitas têm CNPJ inexistentes e, embora tenham habilitação da Cetesb, o órgão ambiental paulista, operam em condições precárias. Em Piracaia, por exemplo, há uma carvoaria com dezenas de fornos fumegantes a pouco mais de dez metros de distância do Gasoduto Brasil-Bolívia, da Petrobras, o que é expressamente proibido. A PRF flagrou o desmatamento ilegal de mata nativa pelos carvoeiros.
Na região, são comuns plantações de eucalipto cercando áreas de floresta nativa da Serra da Mantiqueira. A mata, aos poucos, vai sendo “engolida”até que tudo vira eucalipto — madeira autorizada para a produção de carvão. — Temos laudos que provam a existência de madeira nativa no carvão embalado nessas carvoarias — disse um agente da PRF, completando: — E as carvoarias também compram madeira ilegal do Nordeste, do sul da Bahia.
Fonte: Jornal O Globo