Brasil, o eterno emergente
1 Viagens são, para mim, momentos de renovação e observação de outras realidades e costumes que nos permitem ver as coisas de fora para dentro, com maior precisão e espírito crítico. Vou, em geral, a convite, participar de reuniões internacionais cheias de grandes ensinamentos. É o que aconteceu agora, em Kuala Lumpur, na Malásia, em pleno Sudeste Asiático, do outro lado do mundo. Foram 24 horas de viagem e um tremendo jet-leg. Mas, em compensação, quanto prazer, quanta sabedoria!
2 Visto de fora para dentro, somos um eterno país emergente que não consegue emergir. Comparando–o com a própria Malásia – um país modesto, o Brasil perdeu posições importante nas últimas décadas. Um tanto autocentrados e autoconfiantes, às vezes ciclotímicos, outras soberbos, somos demasiado orgulhosos do pouco que fizemos. Se fizemos alguma coisa, os outros fizeram muito mais! Aprendi, por exemplo, que nas últimas duas décadas, Nova Delhi diminuiu o número de pobres de 52% da população para 7%. Sem Lula!
3 Vejam só, a Malásia se emancipou da Inglaterra em 1957 e era um país pobre e vendedor de matérias primas. Hoje, nosso saldo comercial é negativo e totalmente desequilibrado: o Brasil exporta minério de ferro, açúcar, milho, soja. Puras matérias primas. E a Malásia nos devolve com circuitos integrados, cartuchos de tinta, microprocessadores e luvas de borracha cirúrgicas. Para quem se lembra, a Malásia nos roubou a borracha amazônica e se transformou, há quase cem anos, no grande exportador do produto. Nós nos desindustrializamos e a Malásia mudou de patamar.
4 Hoje, o desenvolvimento é baseado em educação, ciência, tecnologia e conhecimento. O crescimento da Ásia vai nessa direção, e mais ainda o da China, o gigante asiático, que, ao anunciar recentementeo seu novo ciclo de reforma econômica, declarou que está encerrando sua 1ª etapa de crescimento industrial e iniciando um novo ciclo, ligado aos serviços. Pretende ser o novo centro financeiro da Ásia. E já é a maior potência comercial do mundo, movimentando em torno de 4,1 trilhão de dólares por ano. De 1979 para cá, a China deixou de ser um dos países mais pobres e, estrategicamente, atraiu capitais de fora, montou um sistema industrial sem perder o protagonismo político.
5 Enquanto isso, o Brasil entorpecido se viu às voltas com uma crise econômica cujas debilidades não conseguiu superar e consolidou-se comercialmente como exportador de commodities: carne, soja, minério, frango. Todos com enorme impacto negativo sobre o meio ambiente e de baixo valor agregado. A produtividade do país é baixa, os impostos elevadíssimos, a infraestrutura precária e os produtos industriais caros e pouco competitivos. O tamanho do comércio exterior não chegou a 450 bilhões de dólares, isto é, 10% da movimentação chinesa.
O poder moderador e o Pós-Regionalismo:
uma globalização sem hegemonias?
6 Mas, de um mal maior não padecemos: o das diferenças e conflitos de línguas, étnicos, religiosos e civilizatórios – que atingem os demais membros do BRICS (Rússia, Índia, China). E também a Malásia. A Conferência da Latinidade foi criada por Cândido Mendes – um dos pais do desenvolvimentismo brasileiro – exatamente para aparar os graves conflitos entre o mundo islâmico e o Ocidente superdesenvolvido, depois dos graves acontecimentos do 11 de setembro. E promover a pacificação.
7 A ideia de que os latinos poderiam ser mediadores desse conflito foi uma estratégia brilhante de um grupo de intelectuais que vem contribuindo para germinar ideias como a da globalização sem hegemonias, que faz derreter o domínio americano, a essa altura com a ajuda de Barack Obama, mas também contornar uma eventual hegemonia do Império do Meio (chinês), cuja tradição histórica é de contenção e de isolamento. Além disso, os BRICS também comparecem desunidos no cenário internacional, livres para construir alianças menos impositivas, mais voluntaristas e flexíveis.
8 Outra ideia, a do pós- regionalismo, parte da reformatação dos espaços regionais a partir de novos protagonismos e da nova globalização. Essa visão exalta o poder moderador da Malásia, ao apaziguar conflitos étnicos internos (30% de chineses e 10% de indianos) mas, também diante de uma Ásia dividida entre o crescente poder econômico da China, a força do Japão e da Índia emergente. Como pano de fundo, está o poder islâmico presente na Malásia e na Indonésia.
Insisti, como conferencista, que a moderação e o diálogo são características universais da política em seu sentido grego do entendimento entre as diferenças, e que o multiculturalismo seria apenas uma variante dessa moderação que, segundo a filósofa Hannah Arendt, é a essência da política, que foi e continua sendo a de apaziguar e resolver conflitos.
As metrópoles como hubs da globalização:
Entre o Céu e o Inferno
9 Chamei a atenção, em minha intervenção, para o papel sedutor e atraente das grandes metrópoles – atores emergentes do pós-regionalismo, escapando ao controle dos Estados Nacionais e de suas estruturas federativas. Esses grandes centros comportam-se como entes autônomos, complexos e culturalmente diversificados que sempre foram. A sedução das cidades globalizadas remonta aos Impérios antigos, sobretudo a Roma. Elas se destacam como focos de atração, inovação e criatividade, de oportunidades de trabalho e de mobilidade social. Em suma, a metrópole espalhada pelo mundo atual é o perfeito hub da nova globalização, dentro dos requisitos da cidade global, agora em plena sociedade do conhecimento.
10 Esse lugar metropolitano configura, ao mesmo tempo, o Céu e o Inferno. Com cidades de até 36 milhões de pessoas nos diferentes subcontinentes, em geral, carentes de governança e de planejamento, o espaço urbano desorganizado, muitas vezes, se confunde com o caos e a desordem, a degradação das condições de vida em sua periferia, a proliferação da marginalidade social, das carências, do abandono e do isolamento. As desigualdades vêm crescendo em todos os continentes e tornando as cidades os outdoors da miséria.
11 O milagre da romã – Americanos, franceses, jordanianos, chineses, malaios, mexicanos e brasileiros faziam parte desta Caravana da Paz que discutiu inúmeros exemplos de encontros civilizatórios e de convergências políticas, religiosas e culturais que estimulam o bom entendimento. O símbolo da conferência, introduzido de forma sensível pela embaixadora do Brasil na Malásia, foi uma fruta que conhecemos bem: a romã, difundida em todas as culturas, conhecida como símbolo de paz, de boa sorte e de bom entendimento.
12 Aliás, no final do ano, quem não compartilhou uma romã em terras brasileiras?
Deputada Estadual Aspásia Camargo
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
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