Não demora muito e a guerra fiscal entre Estados – ou sua versão mais atual, pelos royalties do pré-sal –, será superada por uma disputa muito mais difícil de resolver – a briga pela água.
Em São Paulo, por exemplo, engenheiros projetam obras para buscar água a 50 quilômetros de distância, lá no São Lourenço, o último manancial disponível na área.
A situação da maior região metropolitana do país é crítica. A competição por água já está na fronteira de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, na Baixada Santista, em Campinas, em Sorocaba, no oeste do Estado. E tem gente ainda lavando calçada com mangueira.
A maioria dos 20 milhões de paulistas que vivem na região metropolitana não tem noção, mas os litros de água tratada que desperdiçam a cada banho longo, a cada vez que colocam pouca roupa na máquina de lavar, ou a cada domingo em que lavam o carro com esguicho, pode ter custado milhares de reais em tratamento, outro tanto em obras, e levado mais de 70 quilômetros para chegar até aquela torneira.
Jogar água limpa pelo ralo é um insulto aos milhares de nordestinos que atravessam a pior seca dos últimos 50 anos e que terão que conviver com muitas outras, de acordo com os cenários dos impactos das Mudanças Climáticas. “Vivemos a cultura do desperdício”, exaspera-se Rodolfo Protti, assessor da diretoria metropolitana da companhia que cuida do saneamento em São Paulo, a Sabesp.
O descaso e a ignorância com o tema não são, infelizmente, exclusividade paulista. Em maio de 2012, o WWF-Brasil divulgou uma pesquisa nacional feita pelo Ibope para a entidade e para o HSBC, sobre a percepção do brasileiro quanto ao uso e consumo de água. Os resultados lembram um estudo famoso, feito nos anos 90 com crianças urbanas. À pergunta “de onde vem o leite? “, elas respondiam com convicção: “Da geladeira!”. Quando a questão é água, os brasileiros enxergam problemas só da torneira para frente. “Muitos acham que a água que usam para lavar a calçada vem da caixa d’água”, ironiza Glauco Kimura de Freitas, especialista do assunto do WWF-Brasil.
À exceção de uma única boa notícia – 68% dos entrevistados pelo estudo em 26 Estados reconheciam o desperdício como o principal problema do abastecimento de água no futuro -, o restante das respostas é uma tristeza. Quase a metade (48%) disse que gasta água em casa sem muito controle – sendo que a parcela de descuidados era menor no estudo feito cinco anos antes (37%). Em 2006, 18% dos entrevistados disse que levava mais de dez minutos no banho. Os displicentes eram 30% em 2011.
Em um banho de 15 minutos, com o registro da ducha meio aberto, são gastos 135 litros de água, mais do que os 110 litros de água que a ONU diz serem necessários, por dia, para atender necessidades individuais de consumo e higiene. Se o registro da ducha for fechado quando a pessoa se ensaboar, e se o banho durar 5 minutos, o gasto será de apenas 45 litros.
Quando se escovam os dentes com a torneira não muito aberta, mas por 5 minutos, serão 12 litros de água pelo ralo. Se a escova for apenas molhada, a torneira fechada durante a escovação e a boca enxaguada com um copo d’água, a economia será de 11,5 litros. Está tudo no site da Sabesp. A empresa informa ainda que ajuda condomínios que pretendem instalar hidrômetros individuais nos apartamentos. Tudo pela economia.
A aplicação da tarifa progressiva não parece pesar quando a conta d’água é difusa, como nos condomínios, e ninguém sabe quem gastou quanto. No Brasil, não se multa quem esbanja água tratada para lavar chão ou carros. Na outra ponta, buscar água está cada vez mais caro. Em 2010, uma obra aumentou a capacidade de captação na região metropolitana de São Paulo de 10 milhões de litros por segundo para 15 milhões. Custou R$ 300 milhões. Agora, a tentativa de trazer água do São Lourenço aumentará a captação em 4 milhões de litros por segundo e custará R$ 1,2 bilhão. A situação só se complica.
Quando o assunto é água, muitos brasileiros não estão nem aí. A pesquisa do WWF indicou que para 81% da população, residências e indústrias são os grandes consumidores. Erraram feio. A produção agrícola é responsável por 70% do uso do insumo e pelo maior gasto sem controle no país. Essa não é prerrogativa brasileira. A produção de alimentos está estressando aquíferos em 18 países, onde vivem metade da população mundial. Três são grandes produtores de grãos, diz o analista ambiental americano Lester Brown – China, Índia e Estados Unidos.
No Brasil, o índice de perda de água nas tubulações – agravada por fraudes comerciais ou lacunas sociais – atingiu inacreditáveis 38,8% em 2011. Em algumas cidades da região Nordeste chega a 50%. Na Europa, a perda é de 18% e no Japão, referência mundial, fica em 7%.
Em 2010, a organização não governamental Oxfam convidou um grupo de jornalistas para conhecer o impacto das mudanças do Clima no Peru e no Equador. Um povoado peruano muito pobre, na aridez do altiplano andino, tinha apenas um fio d’água, da espessura de uma mangueira, durante duas horas por dia, para o sustento de todos. No Equador, durante uma visita a uma comunidade indígena que vive na floresta amazônica, uma equipe de TV local entrevistou os colegas estrangeiros. A mim coube a pergunta: “Como os brasileiros se preocupam com a escassez de água? Como poupam?”. Respondi a verdade, sob o olhar estarrecido do repórter, e voltei para casa muito envergonhada.
Fonte : Valor Econômico