O primeiro governador a ser cassado na história do Brasil, Francisco de Assis Moraes Souza, diz estar “enojado com a política brasileira” diante da absolvição da chapa Dilma-Temer pelo mesmo tribunal. Conhecido como “Mão Santa”, em referência a seu trabalho como médico proctologista, Souza teve seu mandato de governador do Piauí cassado em 2001 por crime eleitoral e abuso de poder econômico.
“Eu dei luz e remédio de graça, restaurante com sopa e reduzi a conta de água. Por isso me tiraram o mandato”, disse Mão Santa à Folha algumas horas antes do final do julgamento da chapa Dilma-Temer, na última sexta-feira (10).
Na época, o TSE, presidido por Nelson Jobim, acatou as acusações de compra de votos e abuso de poder econômico na campanha que resultou na reeleição dele para o governo do Piauí, em 1998.
Entre os crimes eleitorais acolhidos pelo TSE estavam a distribuição de medicamentos, anistia de contas de água, distribuição de cartilhas “Mãos que Trabalham”, veiculação de propaganda dos feitos da administração estadual com os nomes “SPA santo”, “sopa na mão”, “luz santa” e “propaganda dar as mãos”.
Dezesseis anos atrás, era ainda mais difícil cassar um mandato, porque era necessário provar que as condutas descritas tinham “‘potencialidade de interferir na lisura do pleito eleitoral”.
Isso mudou com a adoção da Lei da Ficha Limpa em 2010, estabelecendo que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.”
Apesar de sua cassação, Mão Santa foi eleito senador em 2002 e ficou famoso por usar a expressão “Atentai bem” em discursos inflamados na tribuna. Ex-PMDB, hoje Mão Santa está no Solidariedade e é prefeito da cidade de Parnaíba, a segunda mais populosa do Piauí, com 170 mil habitantes.
DESCRÉDITO
Até hoje, o TSE cassou seis governadores por abuso de poder econômico, a mesma acusação que pesava sobre Dilma e Temer.
Um ex-ministro do TSE que votou pelas cassações de governadores e senadores também estranha a absolvição da chapa Dilma-Temer.
Pedindo anonimato, ele afirma que baseou seus votos em provas tão conclusivas quanto as apresentadas no atual processo. O ex-ministro acha que a absolvição vai fazer com que a Justiça Eleitoral fique desacreditada na sociedade e seja vista como um órgão partidário -a consequência disso seria, em última instância, uma crise institucional.
O advogado Fernando Neisser, coordenador adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, discorda. Para ele, a decisão do TSE foi correta e estabiliza o sistema eleitoral. “Se a chapa tivesse sido cassada, o sistema seria totalmente judicializado, todos candidatos perdedores iam contestar as eleições no TSE”, diz.
Em sua visão, o pedido da cassação da chapa baseava-se na acusação de que dinheiro das empreiteiras doado para o caixa 1 das campanhas veio de propinas da Petrobras, e isso não foi comprovado.
Para o procurador da República Rodrigo Tenório, a argumentação da defesa de que houve extrapolação das provas foi destroçada pelo relator Herman Benjamin.
“Se a propina veio da Petrobras é irrelevante, o que importa é se veio por meios criminosos. Se o uso de recursos provenientes de atividade comprovadamente criminosa em campanha eleitoral não é abuso de poder econômico, o que vai ser?”
Para ele, há uma série de problemas com o sistema de Justiça Eleitoral.
Por exemplo: o fato de dois dos sete ministros do TSE serem advogados e poderem continuar advogando, até na defesa criminal de um candidato. “Nunca, em nenhuma cassação de governadores, houve esse nível de provas e de gravidade”, disse Tenório, que é membro do Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral.