Evento reuniu especialistas e lideranças da sociedade que defendem a cannabis medicinal como um tema ligado à vida e à saúde
O deputado distrital e pré-candidato ao Governo do Distrito Federal pelo Partido Verde, Leandro Grass, promoveu entre os dias 19 e 20 de maio o 1º seminário sobre Cannabis Medicinal e Cânhamo Industrial na Câmara Legislativa do Distrito Federal. O parlamentar é autor da Lei 6.839/2021, “que dispõe sobre o incentivo à pesquisa científica com Cannabis spp. para uso medicinal no Distrito Federal”.
Com a participação de pacientes, médicos, professores, jornalistas, estudantes, advogados e empresários, o evento ocorreu em um momento onde o tema ainda enfrenta resistências de parte do poder público e da sociedade. E atividades que promovam o debate e o acesso à informação qualificada como o proposto pelo deputado PV é uma das melhores formas para reverter esse cenário.
Na abertura do seminário, o deputado disse “este não se trata mais de um encontro, hoje é um dia muito significativo, ainda tendo em vista o momento que vivemos no Brasil. Muito especial para famílias, mas cidadãos e cidadãs que anseiam por vida e por saúde” que há alguns meses fomos provocados por algumas pessoas, cientistas, médicos, pacientes que estavam tentando tratar suas dores com a cannabis medicinal, mas encontravam dificuldades. Associações lutam há muitos anos para que tentam seus direitos atendidos. Essa construção nos traz aqui. Estamos em um local privilegiado, de um tema que está na ordem do dia, e muitos agentes públicos se negam a debatê-lo. Esse universo é muito grande e enorme, e precisa ser desmistificado para a sociedade, demandando uma atuação firme do poder publico. Sair na frente da promoção da vida. A gente quer mais conhecimento, ciência e pesquisa sobre o assunto cooperando com a sociedade civil. Portanto, este é um debate muito necessário para tirar o viés proibicionista. A informação é nossa principal aliada nesse momento”.
“Nós aprovamos ano passado a lei nº 6.839 que estabelece diretrizes para incentivo a pesquisas, que é até onde a gente pode legislar a nível distrital. Nós não podemos avançar para questões de regulamentação de uso ainda porque isso é tarefa do Congresso Nacional. Queremos que o Distrito Federal se torne uma referência do ponto de vista científico para que mais pessoas entendam a importância da cannabis medicinal, para que tenhamos uma democratização no acesso aos medicamentos, hoje importados e de alto custo muito difíceis para a população de baixa renda”.
Para o primeiro dia, foram convidados Simone Benck, reitora da recém criada Universidade do Distrito Federal (UnDF), Renato Malcher, professor doutor em Neurociências pela Tulane University, Rafael Arcuri advogado e diretor executiva da Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC), Natalia Alves, representante da Secretaria de Saúde do DF e Thiago Silvério, representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
A professora Benck afirmou que a cannabis para uso medicinal é um “tema importante para discutir o futuro, pois é questão de saúde pública urgente. As autoridades carecem de ter um olhar sensível sobre a situação”. Ela destacou a importância de haver estudos que tragam a possibilidade de desenvolvimento social e econômico. Para ela, o Brasil continua sendo um dos países com legislações mais proibitivas sobre o tema, que não pode ser ignorado
De acordo com levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides a capital federal concentra 121,4 permissões para cada 100 mil habitantes. Enquanto em 2020 foram concedidas pela Anvisa 19.150 autorizações, em 2021 esse montante saltou para 40.191. Em 2019, foram 8.522 solicitações.
“Não dá para silenciar o debate, correndo paralelo às instâncias públicas.Costumo dizer que as universidade são os locais de transcendência das particularidades.Como representante da universidade pública do DF, quero ver nascer compromissos sólidos para promoção do desenvolvimento sustentável e econômico ligados à cannabis”, encerrou.
Renato Malcher, segundo palestrante, fez um resgate do uso médico milenar da cannabis. Para ele, a discussão que ainda está engatinhando no Brasil.
Já Arcuri trouxe o olhar sobre as possibilidades de uso do cânhamo industrial. Para ele, A pesquisa sobre cannabis tem potencial de ‘interface’ muito grande com a industrial. Reindustrialização do parque industrial para produção de inovação para produto final. Temos uma lei como a do Leandro Grass aqui no DF é um grande estímulo ao comércio. Para desenvolver produtos e tecnologia. Começar a aplicar por meio do cânhamo industrial. Conseguimos dar um salto no marasmo e estagnação que o Brasil vive. O cânhamo é vetor para o desenvolvimento. Temos que começar a ultrapassar os pontos de atrito. O agronegócio já percebe as potencialidades do produto. Legitimidade para as pessoas que ainda estão na dúvida. O PL permite não só um estímulo à geração de emprego, mas serviços também. “ Há um potencial muito grande em Brasília, desde a pequena agricultura e pequena indústria. A cannabis é uma oportunidade para gerar emprego e renda para fazermos a roda girar. Quebrar mitos e preconceitos e mostrar o valor que essa planta tem”.
O representante da ANVISA afirmou que o debate sobre o uso medicinal da cannabis vem se construindo há quase uma década no âmbito da agência. Já a representante da secretaria de saúde informou que a pasta fornece a canabidiol para epilepsia desde 2016. E que a Farmácia Viva se coloca á disposição para essa pauta. “A SES quer contribuir para esse tema que merece destaque”.
Segundo dia – o olhar de advogados, familiares e lideranças sobre a cannabis medicinal
O segundo começou com a mesa 3 que abordou “A regulação do uso da cannabis medicinal. A contribuição que o Distrito Federal pode dar com a Lei 6.839/21. Desafios vivenciados por pesquisadores e profissionais do Direito”, e reuniu Norberto Fischer – pai da Anny Fischer – primeira brasileira a conseguir autorização judicial para importar óleos à base de cannabis, em 2014, Rodrigo Mesquista – Direitor Jurídico da Adwa Cannabis e Presidente da Comissão da Cannabis Medicinal da Subseção do Paranoá da OAB/DF, e Danniel Moura – advogado da Alma Cannabis.
Fischer afirmou que em 2013, quando sua família descobriu os efeitos do CBD, um dos mais de 500 compostos da cannabis, era completamente ilegal falar em cannabis no Brasil: “Era até um preconceito, se você falasse cannabis, maconha. Você seria mal visto. Era uma situação muito delicada, e eu e minha esposa sabíamos que estávamos irregulares”, disse.
“Ainda estamos bastante longe do ideal. O processo ainda é muito burocrático, as leis refletem a realidade de uma sociedade. O preconceito é muito grande, o debate é difícil de acontecer em alguns meios. Quando conseguimos provocar o debate, aquelas pessoas por, mais resistentes que sejam sobre a planta e seu uso, mudam de opinião. Toda e qualquer família que usa e observou o seu familiar melhorar ou cessar, se transforma”.
O advogado Rodrigo Mesquita informou que será protocolada uma minuta de projeto que lei, em parceria com o deputado Grass, que estabelece o marco legal da cannabis do DF, que regulamenta o cultivo para fins medical e recreativo com o fim de atender as peculiaridades locais. “Esta é uma construção coletiva. Portanto, será protocolada para que as associações, pessoas possam ter a possibilidade de produzir para fins medicinais”, disse.
A mesa 4 “Desafios Vivenciados pela população para utilização dos produtos derivados da cannabis medicinal/cânhamo industrial” reuniu a enfermeira Valéria Moura, do Instituto Enfermeira da Cannabis; a jornalista Manuela Borges, do portal Informacann; João Pedro Dutra , diretor da Alma Cannabis; Endy Lacet, odontóloga; e Paula Paz, da MOAB.
A enfermeira Valéria afirmou que eventos como o proposto pelo parlamentar “são que mudam o nosso retorno. É pela verdade que vamos conseguir avançar”. Para ela, “a cannabis é mais vida. Ela deve estar acima dos preconceitos. Legalizar a maconha medicinal é uma questão de saúde pública. Em um pós-pandemia onde as pessoas sofrem e a cannabis em função da pandemia avançou por ser uma ferramenta de saúde. Ela atinge, minimiza, controla e traz paz para nós. A cannabis medicinal já é legalizada, mas não é para todos. Se você quiser ter acesso a um médico precisa ter dinheiro. E sem acompanhamento de um profissional capacitado, não há a plenitude do tratamento. As associações fazem o papel do estado, onde o estado não consegue chegar”, encerrou.
A mesa 5 abordou otema “Da necessária participação do Poder Público no fomento de pesquisas com o uso da cannabis e na transformação do Distrito Federal em um ator relevante na referida temática” e teve as falas de Sérgio Fernandes, Coordenador de Pesquisa e Comunicação Científica, da Escola Superior de Ciências da Saúde – UnDf, e Adriana Ferreira Barros Areal – representante da SES.
Cânhamo – protagonista na conservação do Meio Ambiente
Para o parlamentar o PV, o cânhamo oferece um grande “potencial agrícola da agricultura familiar para gerar emprego e renda para as famílias do DF (…) este seminário vem justamente para intensificar esse debate popularizá-lo também, porque é uma tarefa importante, já que na minha avaliação ainda há uma certa restrição nesse tema. Existe um projeto de lei tramitando aqui na casa, também de minha autoria, que na mesma lógica incentiva as pesquisas sobre o cânhamo industrial com potencial de desenvolvimento econômico, geração de emprego muito grande. Brasília também pode ser referência muito grande na medida em que a legislação vá avançando no Congresso Nacional. A importância é reunir pessoas, promover debates, aumentar o nível de conhecimento, quebrar tabus e desinformações que, infelizmente, ainda são veiculadas e contribuir para a saúde pública e o direito à vida”.
Para Manuela Borges “são as evidências que quebram os preconceitos”. De acordo com a jornalista, o Brasil é o país que mais produz e traduz estudos sobre o cannabidiol. A USP produziu, entre 1940 e 2019, 1.167 artigos, ficando à frente de instituições como a King’s College London, do Reino Unido. O cânhamo – cannabis com baixa concentração de THC – já é utilizado em larga escala nos Estados Unidos, na China e na França. A planta oferece a possibilidade de recuperar solos degradados com a absorção de metais pesados.
Para se ter uma ideia, ele foi utilizado para recuperar o solo de Chernobyl. No Brasil, seria excelente se pudesse ser adotado em locais como Mariana (MG), onde houve o desastre de Brumadinho.
Ainda com informações da jornalista, a produção da fibra do cânhamo consome três vezes menos água do que o algodão e produz cinco vezes mais matéria seca. Além disso, a planta tem uma produção de carbono negativa, ou seja, absorve mais CO2 da atmosfera do que dispersa, compensando a quantidade total emitida. O Paraguai, país vizinho do Brasil, entendeu a potencialidade do cânhamo e pode se tornar o primeiro país do mundo a ter emissão negativa de CO2, devido a suas plantações deste tipo planta. Há no Brasil, 45.730 pacientes de cannabis medicinal (ANVISA 2021), cerca de 40 mil pacientes são atendidos por 70 associações, 50 nações já regulamentaram o uso medicinal e industrial da cannabis/do cânhamo, e 78% dos brasileiros são favoráveis à cannabis para fins médicos, segundo pesquisa EXAME/IDEIA.
Em 2018, sob a gestão do conservador Donald Trump, os Estados Unidos adotaram o Farm Bill 2018, que tem uma legislação específica com foco no cultivo, plantio e comércio do cânhamo. A Farm Bill de 2018, que o Congresso dos EUA aprovou em dezembro daquele ano, removeu o cânhamo que contém menos de 0,3% de tetrahidrocanabinol da Lista de Substâncias Controladas, o que essencialmente tornou legal a variedade menos intoxicante da planta.
De acordo com dados apresentados pela Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN), pelo menos 90 países já autorizaram e regulam o plantio, produção, comercialização, fiscalização e tributação da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial. O cânhamo oferece mais de 25 mil usos, do bioplástico à produção de alimentos. A cannabis cumpre a agenda ESG, que prega uma gestão com foco nos quesitos ambiental, social e de governança.
Fotos: Jr. Rosa