Metade dos eleitores de São Paulo e do Rio de Janeiro, os dois principais colégios eleitorais do Brasil, estavam assumidamente desinteressados das eleições municipais de 2016. Às vésperas do primeiro turno, 49% dos eleitores da capital paulista diziam ter pouco (23%) ou nenhum (26%) interesse pela disputa para a prefeitura, percentual semelhante ao do Rio, onde 54% admitiam que não estavam muito aí para o assunto também. O índice, obtido com base nas entrevistas nos últimos três dias antes da votação, chamou a atenção da CEO do Ibope Inteligência, um dos principais institutos de pesquisa do Brasil, Marcia Cavallari. Entrevista ao EL PAÍS, a pesquisadora disse que o alto grau de desinteresse não só ajuda a entender os resultados (e as diferenças nas intenções de voto mostradas antes do pleito), mas também o momento histórico que o Brasil vive: o brasileiro está desiludido e, nesse cenário, ganhou quem convenceu ser pragmático.
A eleição de 2016 também confirmou uma tendência que os institutos vêm observando desde 2014: o eleitor está mudando de ideia cada vez mais rápido e em cima da hora de votar e, com isso, os levantamentos não estão conseguindo acompanhar o ritmo da volatilidade eleitoral. “É a hora de a gente rever e aprimorar os métodos de pesquisa”, disse Marcia, que atua há mais de 30 anos no segmento. Na entrevista, a pesquisadora fala ainda sobre o fenômeno João Doria (eleito no 1º turno em São Paulo) e o impacto que o tsunami de notícias de 2016 (impeachment, Olimpíada e Lava Jato) teve sobre as urnas.
Pergunta. A vitória do João Doria no primeiro turno na capital paulista foi uma surpresa? A pesquisa anterior mostrava um salto, mas não falava em vitória em primeiro turno.
Resposta. A gente sabia que haveria mudanças e por isso resolveu fazer por conta própria, com investimento nosso, o boca de urna em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde os quadros não estavam muito definidos. A gente previa mudanças porque, no meio da semana, pra se ter uma ideia, 39% das pessoas em São Paulo falavam que ainda precisavam de mais informações sobre os candidatos pra tomar decisão de voto. Mas a história da eleição foi contada pelas pesquisas: o Doria, que começou com 9% das intenções de voto total, foi subindo a cada levantamento, enquanto o Celso Russomanno, que começou muito bem, foi caindo. Agora, independente das pesquisas, a surpresa da vitória do Doria foi pelo fato de São Paulo nunca ter tido uma vitória no primeiro turno. A votação mais expressiva do PSDB na cidade tinha sido em 2004, com o José Serra, que teve 44% dos votos válidos. O Doria, que não tinha uma carreira política, que não era um político conhecido na cidade, emplacar uma eleição com 53% dos votos válidos, enfrentando nomes muito conhecidos, como um apresentador de televisão, duas ex-prefeitas e o atual prefeito, é um fenômeno mesmo.
P. O que dá pra tirar desse resultado, com Doria ganhando em 56 das 58 zonas eleitorais da cidade, até mesmo onde o PT historicamente sempre ganhou?
R. São Paulo sempre teve um candidato do PT [desde a redemocratização], e que sempre foi para o segundo turno. A exceção foi agora. Desde então, o mapa eleitoral era o seguinte: a periferia era pró-PT, e o centro expandido, anti-PT. Sempre. Não há uma conclusão definitiva, mas há hipóteses: primeiro, a Marta Suplicy era muito lembrada nas regiões extremas por coisas como os CEUs e o bilhete único, então ela já começou tirando votos do PT nessas regiões, onde o Russomanno já havia tido uma votação em 2012. E o Fernando Haddad chegou à campanha com uma avaliação muito negativa. Se a maioria da população desaprova a gestão do prefeito, é porque ela não está sentindo melhoras na vida delas. Aí entra o Doria, com um discurso de gestor, num momento em que as pessoas estão desiludidas, e fala ‘olha, não falta dinheiro, falta gestão. Vou contratar médicos, etc.’… O João Doria conseguiu convencer as pessoas das propostas dele e como isso ia impactar a vida delas. O eleitor é pragmático, ele vota naquele em que eles enxergam condições de resolver os problemas da vida dele. Ele foi mais eficiente em convencer as pessoas de que vai fazer uma gestão que vai mudar a vida delas.
P. Mas na véspera, o Doria aparecia com 35% das intenções de votos válidos no Ibope [no Datafolha o percentual era maior: 44%]. Essa foi a eleição do voto útil?
R. O que a gente tem visto é um eleitor cada vez mais desinteressado. Na pesquisa que a gente divulgou no sábado, a metade dos eleitores de São Paulo diziam que estavam pouco ou nada interessados pela eleição. Isso é alto. E as pessoas não estavam só desinteressadas, mas com um sentimento de forte rejeição à política, por conta de toda a crise, por conta da Lava Jato… Então havia uma desilusão. Aí ele apareceu como uma coisa nova, uma proposta de um cara que não era político e aí talvez isso tenha gerado algum ‘vamos acabar logo com isso’ entre os eleitores. Agora, o mais surpreendente, apesar de as pesquisas já apontarem uma queda, foi a Marta terminar como uma candidata pequena… Um dia antes ela tinha 19% das intenções de votos válidos, e ela terminou com 10%. Foi uma mudança muito rápida. Esse fenômeno da volatilidade, de decisão de última hora, não é novidade nessa eleição. Já nas outras também tinha. Mas nas eleições municipais isso se potencializou. O que mostra que esse debate das questões da cidade não importou muito. Aí tem a questão também da estratégia das campanhas: ficou todo mundo lá discutindo quem iria competir com ele, e deixaram ele correr solto. Ninguém questionou nada do Doria. Então favorece o eleitor escolher fazer um voto útil.
P. Quanto a pesquisa influencia na tomada de decisão do eleitor?
R. A pesquisa é uma informação a mais para que o eleitor faça sua escolha, dentro de um universo todo de informações. Então se ele resolve ou não usar essas informações pra fazer um voto estratégico, isso faz parte da democracia. Quanto mais informação o cidadão tem, melhor pra tomada de decisão do voto dele, seja ele um voto estratégico ou não. Mas isso é controverso pelo seguinte: se influenciasse tanto assim, quem começou na frente foi o Russomanno. Por que ele foi caindo? E por que o outro [o Doria] que começou com 9% foi subindo? Então as pesquisas são usadas e interpretadas nos contextos em que estão. Se também fosse assim, a gente não ia ver viradas. E a gente vê viradas nas campanhas eleitorais. Viradas de última hora. Por ‘n’ razões. É o caso, por exemplo, do Rafael Greca: a campanha em Curitiba estava caminhando para acabar no primeiro turno, aí ele falou uma besteira e, de uma pesquisa pra outra, caiu 15 pontos, que foram para um terceiro candidato, que não tinha nem dois dígitos, e agora vai enfrentá-lo no segundo turno [Ney Leprevost].
P. Os institutos atribuem muito às redes sociais a volatilidade do eleitor. Agora, o João Doria era o candidato com o maior tempo de TV em São Paulo. A televisão ainda é a principal fonte de informação ou as redes sociais já estão alcançando esse grau de influência?
R. A TV ainda continua sendo a maior. Isso o ajudou com certeza. E também tem um apelo, de como as pessoas estão cansadas da política, o discurso dele teve uma aderência muito grande.
P. Um outro dado que chamou a atenção foi a abstenção. No Rio, por exemplo, chegou a quase 25%. Como você avalia isso?
R. Abstenção é um dado que a gente tem que olhar com cuidado, porque é preciso ver o grau de atualização dos registros no TSE. Mas, de fato, mesmo considerando que a base do cadastro não é totalmente correta e assumir que esse viés tem em toda eleição, de fato aumentou aqui. E se aumentou, de novo, aqui é pela falta de interesse das pessoas na eleição, de participar politicamente da eleição. Porque se na véspera, 50% das pessoas falarem que tem pouco ou nenhum interesse pela eleição, isso é alto. No meio da semana, falar que 40% ainda precisa de mais informação sobre os candidatos, também é alto. Tudo isso mostra o baixo interesse, que faz com que eu não busque mais informação sobre o candidato. E uma coisa vai gerando a outra….
P. Quanto os protestos e o impeachment influenciaram nos resultados, de uma maneira geral?
R. As atenções do eleitorado ficaram divididas entre vários eventos. O impeachment, as Olimpíadas, a Lava Jato… Então o foco das eleições foram da segunda quinzena de agosto pra cá e, mesmo assim, com alto desinteresse. Eu acho que isso caminha pra gente discutir a questão do voto não obrigatório. Porque as pessoas não estão indo, não comparecem, quando vão parte significativa vota branco ou nulo. Mas o nosso voto é obrigatório. Isso aí mostra, denota, que tem que caminhar para um amadurecimento da discussão sobre a obrigatoriedade do voto. Agora, eu não sei se isso é bom ou ruim, mas acho que demonstra isso.
P. O Ibope cogita mudar a metodologia de pesquisa eleitoral, já que desde 2014 essa disparidade nos resultados têm sido muito questionada? E já que, realmente, as pesquisas não têm conseguido acompanhar o ritmo da decisão dos eleitores?
R. Sim, estamos com vários estudos em andamento, desde 2014. A volatilidade está se intensificando, muito em função das redes sociais e da internet, como eu já disse. Então enquanto instituto de pesquisa, temos que rever e aprimorar os métodos, e talvez pensar numa metodologia em que a gente considere a questão da internet. Nós temos um painel com 480.000 internautas, fomos fazendo pesquisa neste ano como estudo, em São Paulo. Então estamos estudando usar metodologias híbridas…. Toda eleição tem um aprendizado. Agora, de novo, ressalto que a pesquisa não tem o papel de adivinhar o resultado de uma eleição. Essa expectativa existe, mas ela não tem esse papel. Porque o que a gente mede é a opinião das pessoas, que ela muda quando quiser.
Fonte : El País