A detenção, no dia 19 deste mês, do ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, pode abrir uma caixa de Pandora, segundo a crença generalizada sobre seu estilo de liderança, apoiado por negócios obscuros.
As revelações de Cunha, que fez carreira no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),podem fulminar o novo governo encabeçado por Michel Temer. A isso se soma o acordo do conglomerado Odebrecht, que reúne a principal construtora, a maior petroquímica privada do país e outras grandes empresas, para colaborar com a justiça nas investigações sobre desvio de milhares de milhões de dólares da Petrobras.
Cerca de 50 diretores da Odebrecht fornecerão dados sobre subornos e financiamento ilegal de campanhas eleitorais que podem envolver mais de 200 dirigentes políticos de destaque, segundo uma lista conhecida desde março deste ano. O grupo empresarial tinha um departamento só para cuidar das transações irregulares.
Marcelo Odebrecht, que presidia o grupo até ser detido, em junho de 2015, resistiu à “delação premiada” para reduzir penas, e à qual já aderiram mais de 50 acusados na Operação Lava Jato. Foi convencido por seu pai, Emilio Odebrecht, patriarca da família e presidente do conselho de administração das empresas, para evitar a quebra do grupo.
A Lava Jato, iniciada em março de 2014, é até agora a operação mais efetiva contra os empresários, porque a maioria dos políticos envolvidos desfruta de fórum privilegiado. Parlamentares e membros do Poder Executivo, como o presidente e governadores, só podem ser julgados pelo Superior Tribunal Federal (STF), cujos julgamentos costumam demorar anos, pelo acúmulo de tarefas, incluindo a de dirimir controvérsias constitucionais.
Por isso, dezenas de parlamentares seguem ativos, mesmo estando imputados ou denunciados em vários processos judiciais, não só na Lava Jato. É o caso do presidente do Senado, Renan Calheiros, sob investigação em cerca de dez casos de corrupção e lavagem de dinheiro.
O mecanismo também permitiu a Cunha permanecer como presidente da Câmara por um ano e meio, apesar das denúncias de manter contas ilegais na Suíça e abusar de seus poderes para travar os trâmites da Comissão de Ética, que discutia a possibilidade de anular seu mandato parlamentar.
Foi necessário o STF, em decisão de duvidosa constitucionalidade, suspender sua presidência da Câmara para a conclusão do processo que durou 11 meses, período sem precedentes, até condená-lo por violação do decoro parlamentar e afastá-lo da vida pública por oito anos.
Não tiveram essa sorte dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Brasil de 2003 a 12 de maio de 2016, quando a ex-presidente Dilma Rousseff foiafastada do cargo para responder ao processo de impeachment, que terminoucom sua destituição no dia 31 de agosto.Além disso, estão presos José Dirceu e Antonio Palocci, ex-deputados e ex-ministros do partido, apontados como possíveis sucessores de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente entre 2003 e 2010.
Sem mandato parlamentar ou cargo no governo, foram presas fáceis do juiz Sergio Moro, que coordena a Lava Jato e recebe elogios como grande herói do combate à corrupção no país.E o mesmo poderá ocorrer com Lula, acusado em três processos como receptor de vantagens indevidas de empresas favorecidas em contratos com a Petrobras e sob investigação em outros casos de corrupção. Em uma suposta lista da Odebrecht, aparece como beneficiário de R$ 8 milhões, segundo a imprensa.
Lula rechaça as acusações e as atribui a uma tentativa de destruir o PT e seu “projeto político”, que beneficiou milhões de brasileiros pobres.As “delações” de Cunha e dos executivos da Odebrecht multiplicariam as denúncias contra políticos de todos os partidos relevantes, dificultando a sobrevivência de líderes parlamentares e arruinando ainda mais a já escassa credibilidade dos políticos brasileiros.
Além disso, a pressão popular para que o STF julgue com mais rapidez os parlamentares, ministros e governadores envolvidos em casos de corrupção pode chegar a ser irresistível.De fato, está em jogo todo o sistema político construído desde a década de 1980, quando caiu a ditadura militar instalada no Brasil desde 1964.
O próprio presidente Temer, que é próximo a Cunha, foi mencionado em delações premiadas como receptor de dinheiro proveniente de corrupção para financiar campanhas eleitorais do PMDB, partido que tende a ser o principal alvo das novas denúncias, como o PT tem sido até agora.
A tensão gerada por esta nova fase da campanha anticorrupção agravou os conflitos entre os poderes Legislativo e Judiciário.O presidente do Senado defende a aprovação de uma nova lei que puna abusos de autoridade, delitos que, em sua opinião, aumentam entre órgãos de Justiça, como o Ministério Público, a Polícia Federal e inclusive entre alguns juízes.
O projeto procura frear o combate à corrupção, segundo Moro e os procuradores, acusados por seus críticos de excederem os limites legais com ações como prisões preventivas durante meses, interrogatórios sob condução coercitiva injustificada de muitos suspeitos, inclusive do ex-presidente Lula, e vazamento de depoimentos secretos.
O Ministério Público propôs dez medidas de combate à corrupção em um projeto de lei apoiado por dois milhões de eleitores signatários. Os parlamentares, já ameaçados pelas investigações conduzidas por Moro tenderiam a rechaçar a proposta, mas também temem desafiar a opinião pública.
As discrepâncias degeneraram em um conflito com a detenção de quatro policiais do Senado, no dia 21 deste mês. Renan Calheiros chamou de “fascistas” os métodos da Polícia Federal, que executou a ação. Um simples “juizeco” de primeira instância não poderia autorizar a invasão do Poder Legislativo como foi feito, queixou-se, o senador.
A deterioração da situação torna mais urgente uma reforma política, uma cobrança generalizada há tempos, mas, com centenas de políticos lutando para sobreviver, parece impossível que os parlamentares aprovem soluções expiatórias.
Fonte : Envolverde/IPS