Uma ampla articulação das bancadas ruralistas de diversos estados e também em Brasília querem transformar nosso Código Florestal em Código Rural.
A retirada de deputados envolvidos com a questão ambiental da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados e a lei recentemente aprovada em Santa Catarina deixam bem claras as estratégias de avanço sobre áreas protegidas.
Em abril a assembléia legislativa de Santa Catarina aprovou e o governador do estado sancionou lei que diminui as áreas de preservação permanente (APP) no estado que mais derruba a mata atlântica.
Segundo o Código Florestal brasileiro uma APP não pode ser inferior a 30 metros, aumentando conforme aumenta a largura do curso d’água. Pela lei aprovada no estado do sul, a APP se restringe a meros cinco metros em propriedades com menos de 50 hectares, aumentando de acordo com o aumento da propriedade e da largura do curso do rio.
Uma lei estadual pode ser mais restritiva que uma lei federal, mas nunca mais permissiva. Por esse motivo ajuizamos (Partido Verde) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal com o intuito de resguardar as áreas protegidas por lei e que são alternativas mitigadoras dos impactos da ação antrópica.
Segundo Márcia Cristina Lima (Simpósio sobre áreas degradadas, Curitiba,1994), as APPs, ocupando cabeceiras e margens dos cursos d’água, desempenham importantes funções hidrológicas, compreendendo: filtragem de sedimentos e nutrientes, controle do aporte de nutrientes e de produtos químicos aos cursos d’água, controle da erosão das ribanceiras dos canais e controle da alteração da temperatura do ecossistema aquático.
Daqui concluímos que onde as APPs estão mais impactadas são os locais mais suscetíveis a enchentes e deslizamentos nos momentos de chuva intensa, como aconteceu em Santa Catarina no último verão. Estudos apresentados pela arquiteta e urbanista Sandra Momm Schult, professora da Universidade Regional de Blumenau, comprovam que 85% dos deslizamentos do ano passado ocorreram exatamente em áreas alteradas de APP.
Ainda antes do governador Luiz Henrique da Silveira sancionar a lei, a comunidade científica havia se manifestado alertando que essa alteração fatalmente implicaria em tragédias mais intensas no estado (Jornal O Globo, 3 de abril de 2009). O mesmo governador defendeu a alteração dizendo que cada estado deve ter sua legislação ambiental, pois cada um possui um modelo diferente de organizar seu agronegócio.
Segundo ele, a distância da mata ciliar vale para estados que têm grandes extensões de áreas cultiváveis e não para o modelo de Santa Catarina, que é formado por pequenas e médias propriedades.
Torna-se explícito, portanto, que a idéia não é trabalhar um novo código florestal, mas sim torná-lo um código rural, posto que o argumento parte da organização do agronegócio em cada estado, e não dos ecossistemas peculiares de cada ente da federação.
A reação do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, foi consistente. Ordenou que a nova lei estadual seja ignorada e que estará incorrendo em crime ambiental quem construir ou plantar a menos de 30 metros das margens dos rios, como prevê o Código Florestal.
Ao mesmo tempo, está em curso em Brasília a tomada de posições estratégicas por parte da bancada ruralista para dar sustentação a essas ações que devem ocorrer em mais estados da federação. A tendência é que as posições se acirrem e o diálogo se torne mais difícil.
Sem dúvida isto representa um retrocesso, pois alterações no código florestal em área urbana consolidada e a possibilidade de se discutir reserva legal sob o ângulo de corredores ecológicos e contiguidade para a manutenção da biodiversidade e do fluxo gênico já faziam parte da agenda dos encontros entre ambientalistas e ruralistas ou loteadores mais dispostos ao diálogo que à radicalização.
José Paulo Toffano é deputado federal (PV/SP), coordenador da frente parlamentar ambientalista e secretário nacional de formação do Partido Verde.