Posterior à retirada de habitantes não-índios da Raposa Serra do Sol, o deputado federal Fernando Gabeira (PV/RJ) vai propor ao governo federal que se crie um comitê para organizar a desintrusão em outras reservas que venham a ser demarcadas. Gabeira foi um dos integrantes da Comissão Externa da Câmara que veio a Roraima acompanhar a desocupação da reserva.
“O momento de retirada das pessoas precisa de mais organização. Não necessariamente financiamento, mas o governo poderia ajudar essas pessoas com logística. A vantagem, embora o governo gaste um pouco de dinheiro, é porque o conflito é ruim. Se tivéssemos uma política voltada para uma retirada politicamente organizada, nós reduziríamos os custos de segurança”, enfatizou, analisando que faltou organização por parte do poder público na questão da Raposa Serra do Sol.
A Comissão Externa identificou que os produtores não concordam com os valores das indenizações depositadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) nem com a localização dos reassentamentos em outras áreas, que por sua vez não apresentam infraestrutura básica.
Fernando Gabeira disse que é preciso encontrar uma saída para os problemas vividos pelos não-índios com a desocupação. Na avaliação dele, o prazo determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que encerra no dia 30, é insuficiente para a retirada, além de o governo federal não oferecer apoio logístico nem ter reassentado as famílias de não-índios antes do término do prazo para desocupação.
“As necessidades por aqui se resumiram a quanto custa, eu pago e você vai embora. A saída foi um pouco precipitada. O ideal seria um tempo para que pudéssemos tratar a saída de forma um pouco mais suave, evitando transtornos posteriores”, enfatizou.
Gabeira tem intenção de voltar ao Estado na quinta-feira, para acompanhar a saída dos habitantes não-índios, além das novas medidas que podem ser implantadas. Ele retornou ontem a Brasília, acompanhado dos demais integrantes da comissão.
No domingo à noite, os parlamentares se reuniram com o governador Anchieta Júnior (PSDB), que se comprometeu a enviar caminhões para transportar os pertences dos não-índios da terra indígena para outro local indicado por eles fora da reserva.
Truaru
Comissão constata situação de abandono em que vivem remanescentes da reserva
Os deputados federais Márcio Junqueira (DEM), Maria Helena Veronese (PSB) e Fernando Gabeira visitaram no sábado o projeto de assentamento Truaru, na zona rural de Boa Vista.
Eles puderam constatar de perto a realidade dos remanescentes da Raposa Serra do Sol, que desde que deixaram à reserva – há cerca de três anos – vivem no local sem direito à educação, saúde, água e energia elétrica.
“O que encontramos aqui [na Raposa] foi uma situação de abandono do poder público, como se não estivesse acontecendo no Estado”, criticou Junqueira.
“Constatamos o que já sabíamos: que as pessoas receberam propostas de indenizações de valores irrisórios que não condiziam com aquilo que essas pessoas investiram. E hoje, além disso, as pessoas estão tendo que sair sem receber qualquer apoio logístico do governo do Estado e muito menos do governo federal”, destacou a deputada Maria Helena.
Deputados avaliam trabalhos da comissão
Nesta segunda-feira, a Comissão Externa criada pela Câmara para acompanhar o processo de retirada de habitantes não-índios da terra indígena Raposa Serra do Sol reservou o dia para conversar com representantes das autarquias federais envolvidas na desocupação.
Pela manhã, os parlamentares sentaram com os gestores do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Instituto de Terras de Roraima (Iteraima), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Fundação Nacional do Índio (Funai). As discussões giraram em torno do reassentamento das 42 famílias que ainda habitam a reserva e do local para onde o gado deles será levado.
À tarde, os parlamentares visitaram o prefeito de Boa Vista, Iradilson Sampaio (PSB), conheceram as instalações das 30 casas cedidas pelo Executivo Municipal para reassentamento das famílias no bairro Cidade Satélite e conversaram com diretores da Polícia Federal sobre a execução da Operação Upatakon 3.
Cálculos – O deputado federal Fernando Gabeira disse que tem feito cálculos para entender toda a situação, mas que ainda não chegou a um resultado satisfatório. “Estou procurando saber qual será o destino das 42 famílias e as 8 mil cabeças de gado que existem lá. É necessário que haja uma saída para isso”, salientou.
Na matemática dele, baseada em informações prestadas pelas autoridades, não existe senso comum entre o prazo estipulado pelo Supremo Tribunal Federal para que ocorra a desocupação dos não-índios e a realidade das famílias que vivem lá.
Ele explicou que a área para reassentamento das famílias indicada pelo Iteraima, próxima à Vila Vilhena, no Bonfim, possui 90 mil hectares, com lotes entre 300 e 2 mil hectares.
No entanto, só para se fazer a licitação para georreferenciamento será preciso esperar dois meses, construir uma estrada de 80 quilômetros que deve custar cerca de R$ 4 milhões e aguardar aproximadamente um ano para que toda a região receba infraestrutura básica para receber as famílias. “O prazo para desinstrusão encerra no dia 30 e eu, até o momento, não consegui equacionar a situação”, lamentou.
Conforme Gabeira, o Iteraima também está atrás de outra área, igualmente no Bonfim, que foi deixada para trás pelos antigos proprietários. “O órgão está comprometido com 14 famílias [as demais são de responsabilidade do Incra], mas essa fazenda poderia abrigar no máximo entre 900 a mil cabeças de gado. Então, nos meus cálculos, continuam sobrando famílias e cabeças de gado. Até o dia 30 de abril, não sei como será resolvido. Mas mesmo com os cálculos mais rigorosos não está batendo, o prazo não é adequado. Vou explicar isso ao Ayres Britto”, afirmou.
Durante a reunião com servidores do Incra e da Funai, o parlamentar disse que foi informado que o prazo estipulado pelo STF é para saída voluntária e que a partir do dia 1º de maio iniciará a saída compulsória, onde será analisado caso a caso. “Existe uma possibilidade de negociação”, declarou.
Numa avaliação final, ele disse que toda a situação vivida pelos habitantes não-índios “revela algo dramático”. “O que deveria ser coordenado pelo Executivo, na verdade está sendo coordenado pelo Judiciário. O Judiciário não tinha que dar o prazo, ele tinha que tomar a decisão, enquanto o Executivo teria que fazer um plano e informar ao Judiciário qual o prazo para retirar as pessoas. No entanto, tanto Executivo quanto Legislativo ficaram à margem desse processo que é conduzido pelo Judiciário. E a condição pelo Judiciário, por mais habilidosa que seja, não tem a mesma característica e flexibilidade política que o Executivo e o Legislativo teriam”, analisou.
Diante da constatação, o deputado federal Márcio Junqueira (DEM) destacou que essas pessoas continuam sem ter para onde ir. “Está claro que o governo está equivocado no que diz respeito a cumprir esse prazo. O que tem que se fazer agora é estender o prazo [de retirada]”, enfatizou.
Junqueira informou ainda que a comissão da Câmara e a do Senado, que começa suas atividades hoje, devem se unir para acompanhar o processo de desintrusão.