Após o STF proibir a realização de vaquejadas no Ceará, muitas foram as manifestações a favor e contra a decisão, com opiniões expressas, inclusive, neste espaço.
É importante dizer que a ação originária não visava discutir a legalidade –ou ilegalidade– da vaquejada, mas sim medir a constitucionalidade de uma lei estadual do Ceará que considerava a vaquejada uma tradição e, consequentemente, um bem cultural daquele Estado. Porém, como seria possível considerar um bem cultural algo que é aos olhos da Constituição – para não falar também de outras normas federais, como a Lei de Crimes Ambientais– uma prática ilegal?
Afinal, negar maus-tratos existentes nesse tipo de atividade não só é tecnicamente inviável como também é de um ardil intelectual de se fazer corar até os mais simbólicos políticos implicados na Lava Jato.
Para a discussão específica em relação aos maus tratos, basta uma visita aos animais nos currais de uma vaquejada para se verificar o nível de estresse dos garrotes que são enfileirados “delicadamente” para serem derrubados pelos cavaleiros. Não bastasse tal estresse, laudos da USP (Universidade de São Paulo) e da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) confirmam que há possibilidades de bois e os cavalos que participam do evento se lesionarem.
O laudo feito na USP comprova que a forma como os animais são derrubados em vaquejadas causa forte impacto na coluna vertebral dos bezerros, podendo levar a traumas físicos de grande extensão e até a fraturas, portanto, caracterizando-se os maus-tratos.
Já o estudo da UFCG, feito a partir de exames de cavalos vindos de vaquejadas, revela lesões e danos irreparáveis aos animais, com um percentual relevante de ocorrências de tendinite, tenossinovite, exostose, miopatias focal e, por causa do esforço feitos, de fraturas e osteoartrite társica. Ou seja, não é possível negar que há maus tratos aos animais.
Discutamos então o argumento da tradição do “esporte” vaquejada, que foi o motivador da lei cearense alvo da decisão do STF. Inegavelmente, a realização de vaquejadas pelo interior do Nordeste é uma prática secular e que visava mimetizar o labor dos vaqueiros no dia a dia, assim realizando uma competição para ver quem era o melhor vaqueiro.
Ocorre que as competições de hoje em nada tem a ver com essa tradição. Elas são megaeventos com grandes premiações e com patrocinadores, sendo que, os competidores dificilmente são vaqueiros tradicionais das propriedades nordestinas, mas sim atletas que treinam exaustivamente só para competir e que correm todo o circuito de vaquejadas do Brasil.
O argumento da tradição fica ainda mais frágil quando constatamos que as vaquejadas vinham sendo realizadas por todo o Brasil, em locais muito distantes do Nordeste. No Pará, por exemplo, chegamos ao absurdo de ter uma lei estadual que considerava tradição local uma atividade que nunca fez parte da realidade amazônica. É claro que o deputado que propôs a lei não é paraense e tampouco conhece as tradições locais, mas ele viu uma oportunidade e um nicho eleitoral-financeiro importante a ser explorado.
Dessa forma, a decisão do STF indubitavelmente resgata o artigo 225° da Constituição Federal e considera que, como disse a ministra Carmem Lúcia, “sempre haverá os que defendem que [a prática] vem de longo tempo, se encravou na cultura do nosso povo. Mas, cultura se muda e muitas foram levadas nessa condição até que se houvesse outro modo de ver a vida, não somente ao ser humano”. Dessa forma, tal entendimento corrobora com as decisões da justiça que já vinham proibindo tais eventos em vários locais do país.
De nossa parte, o Ibama, no Pará, já vinha notificando as organizações de vaquejadas antes mesmo da decisão do STF. Agora, faremos todos os esforços para banir essa prática ilegal e cruel de nosso Estado, não permitindo que animais sejam estressados, derrubados e lesionados por mera diversão e lucro de alguns.
Fonte: Uol