Stefani Juliana Vogel, chefe de Gabinete do Dep. Jadyel Alencar
Em comemoração ao Dia Internacional da Proteção de Dados Pessoais, celebrado hoje, dia 28, surge a oportunidade não apenas de reconhecer a importância de salvaguardar informações privadas, mas também de lançar um olhar crítico sobre a interseção entre crescimento econômico, avanços tecnológicos e responsabilidade ambiental e social. Em um mundo cada vez mais interconectado, a necessidade de utilizar o progresso tecnológico como catalisador para impactos positivos nos negócios, meio ambiente e sociedade é imperativa.
A influência abrangente do conceito de sustentabilidade no sucesso empresarial é inegável, transcendendo meros resultados operacionais para agregar valor significativo entre os stakeholders. Neste contexto, a reflexão proposta está voltada para a intrínseca relação entre sustentabilidade e governança de dados, particularmente na efetiva proteção de dados pessoais. Este é um dever e responsabilidade compartilhados por todos os entes e organizações, e o entendimento de como a sustentabilidade se tornou uma vantagem competitiva essencial é crucial.
Exploraremos, ao longo deste artigo, a transformação em torno do conceito de sustentabilidade e examinaremos por que ela implica a implementação de uma governança de dados eficaz por parte de todas as organizações. Este diálogo é fundamental para não apenas compreendermos os desafios atuais, mas também para orientarmos estrategicamente nosso caminho em direção a um futuro onde a proteção de dados e a sustentabilidade não apenas coexistam, mas fortaleçam mutuamente os alicerces de um desenvolvimento econômico duradouro e sustentável.
PROTEÇÃO DE DADOS E PRIVACIDADE
A interação entre organizações e sociedade passou por transformações significativas na era digital, marcando uma presença inegável da tecnologia na rotina moderna. Estamos neste momento testemunhando profundas mudanças, em que a inteligência artificial (IA) deixou de ser uma mera promessa para se tornar uma realidade integrada em diversas áreas. Desde a disseminação dos modelos de Aprendizado de Máquina de Grande Escala (LLM), a sociedade incorporou massivamente ferramentas de IA em suas atividades cotidianas, redefinindo a forma como trabalha e se comunica.
De acordo com Schwab, o desenvolvimento tecnológico atual representa a quarta revolução industrial, pois trouxe mudanças profundas nas estruturas sociais e nos sistemas econômicos, as quais identificadas a partir de três elementos: velocidade, amplitude e profundidade e impacto sistêmico. A primeira revolução industrial, entre 1760 e 1840, foi impulsionada pela construção de ferrovias e pela inovação da máquina a vapor (Schwab, 2016, p.19). As revoluções seguintes foram marcadas pela eletricidade, pelos semicondutores e pelo desenvolvimento da computação mainframe. Com base em definições acadêmicas, o fundador do Fórum Econômico Mundial argumenta que as tecnologias digitais emergentes estão transformando profundamente a sociedade, tornando-a mais sofisticada e integrada e diante da perspectiva de uma nova revolução.
É crucial observar que quase todas as ferramentas de IA em ascensão dependem de dados pessoais para seu aprendizado. Esse desenvolvimento exponencial ocorre em um contexto em que todos os países já possuem alguma forma de legislação de privacidade de dados que veda a raspagem indiscriminada de dados ou data scraping, isto é, técnica em que os dados são extraídos e posteriormente estruturados para fins comerciais e/ou não autorizados pelo titular.
A maioria dos países com leis de privacidade e proteção de dados possui normas abrangentes que tratam da coleta e uso de dados pessoais, com requisitos crescentes de proteção e sensibilidades para categorias específicas, como dados de saúde, raça ou orientação sexual. Apesar das normas estabelecendo exigências como as bases legais para o tratamento de dados e multas elevadas por eventual tratamento indevido, episódios de mau uso de dados ocorrem com frequência, tanto no Brasil, quanto no mundo. Uma explicação para esses eventos é o fato de que, nos tempos atuais, a captura, a circulação, o armazenamento e tratamento de informações pessoais se tornou um processo imediato e constante.
Ou seja, a conjuntura apresentada evidencia que a existência de leis, regulamentações, princípios e padrões globais não tem sido suficiente para garantir a ética e o uso seguro de informações pessoais, considerando o fluxo constante de troca e retroalimentação de informações no modelo de sociedade cada vez mais interconectada.
DESAFIOS AMBIENTAIS E SOCIAIS
A interação humana com os recursos naturais se desenha em um cenário de dualidades entre o renovável e o não renovável. Enquanto fontes como a radiação solar oferecem inesgotabilidade, minerais e combustíveis fósseis são recursos limitados, cuja regeneração é morosamente lenta.
A história nos mostra que a exploração indiscriminada destes recursos se intensificou ao longo dos últimos dois séculos, dando origem a oportunidades e desafios, destacando-se a desigualdade de oportunidades. Em resposta aos danos ambientais, iniciativas internacionais foram propostas, como a pioneira Convenção de Estocolmo sobre o Meio Ambiente em 1972, que introduziu o conceito de sustentabilidade. Segundo o “Relatório Nosso Futuro Comum”, desenvolvido pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), presidida por Gro Harlem Brundtland, então primeira-ministra da Noruega e Mansour Khalid, o desenvolvimento sustentável é definido como “aquele que atende às necessidades atuais sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades.”
Com efeito, a década de 1990 testemunhou a consolidação do termo Desenvolvimento Sustentável, ganhando destaque nas Convenções da Biodiversidade e da ONU sobre Mudanças Climáticas (1992). O Protocolo de Quioto (1997) e o Acordo de Paris (2015) complementam esses esforços.
Ao refletir sobre essa evolução, destaca-se a transformação de perspectivas. Com o avanço das discussões sobre o significado do conceito de desenvolvimento sustentável, este foi ampliado e ganhou novos contornos. Antes desses marcos legais, seria impensável uma empresa sacrificar seus lucros em prol de iniciativas para reduzir emissões, otimizar o uso de recursos, assim como a ideia de investir prioritariamente em serviços de proteção e governança de dados poderia soar há alguns anos absurda.
Tem-se, portanto, que a sustentabilidade, inicialmente atrelada à preservação ambiental, evoluiu para um conceito abrangente. Hoje, uma empresa sustentável opera em três dimensões: proteção ambiental, apoio ao desenvolvimento econômico e garantia de equidade social. A gestão eficaz desses elementos tornou-se imperativa para as organizações (Neto e Froes, 2004, p. 182).
CRESCIMENTO ECONÔMICO RESPONSÁVEL
A interseção entre proteção de dados, sustentabilidade e ética digital não só é possível como também essencial para forjar um modelo econômico mais sustentável.
Neste cenário, em 2015, líderes mundiais estabeleceram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, delineando 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que abordam desafios prementes e se desdobram em metas a serem atingidas no prazo de 15 anos. A governança de dados é enraizada, notadamente nos objetivos de redução das desigualdades, consumo e produção responsáveis, e paz, justiça e instituições eficazes.
Paralelamente, o acrônimo ESG (Environmental, Social and Governance) surge como uma evolução natural, proveniente do Pacto Global da ONU e Banco Mundial, denota a tríade Ambiental, Social e Governança.
Em consonância com essa visão, a adoção de políticas ESG emerge como um diferencial competitivo, sendo uma força motriz para investimentos sustentáveis. Nesse sentido, uma pesquisa recente conduzida pela Bloomberg apontou que a agenda ESG pode atrair até US$ 53 trilhões em investimentos até 2025, com 57% dos ativos de fundos mútuos europeus destinados a fundos alinhados com a agenda ESG até o mesmo ano.
A narrativa contemporânea reforça que o crescimento econômico não deve ser uma entidade divorciada do meio ambiente e da equidade social. A ética digital surge como um catalisador para reconciliar esses elementos, enfatizando que a proteção de dados e a gestão responsável da informação são fundamentais para um desenvolvimento econômico duradouro.
Paralelamente, o estudo “Corporate Social Responsibility and Environmentally Sound Technology in Endogenous Firm Growth. Sustainability” (Chao; Pu, 2017), realizado na China, destacou que empresas que incorporam responsabilidade social corporativa e tecnologia ambientalmente correta podem aprimorar sua reputação, reduzir custos marginais e fortalecer seu potencial de crescimento.
Contudo, apesar da crescente atenção e investimento, as iniciativas visíveis muitas vezes carecem de eficácia. De fato, a sustentabilidade se tornou uma prioridade inescapável para gestores globais, pressionados por governos, ativistas e a mídia a assumir responsabilidade pelas consequências sociais de suas atividades. Todavia, a sua plena efetividade demanda uma abordagem abrangente que possa ser estendida profundamente dentro das organizações.
Faz-se necessário, consequentemente, que os administradores possuam uma formação interdisciplinar. Essa formação é essencial para criar as condições necessárias para concretizar o conjunto de princípios que sustentam a concepção de sustentabilidade. Ademais, também é premente incorporar nas discussões sobre sustentabilidade a importância de políticas e procedimentos adequados para promover as melhores práticas de proteção de dados pessoais, indo além do mero atendimento primário à legislação.
Segundo a abordagem de Michael Porter, renomado autor e professor de Harvard, sobre as cinco forças que moldam a competitividade em um ambiente externo, é imperativo ampliarmos nosso foco para examinar o ambiente interno das empresas.
Nessa análise, torna-se evidente que aquelas que negligenciam o reconhecimento dos dados como um diferencial estratégico estão, na realidade, desperdiçando uma oportunidade de grande relevância. Assim como as forças externas moldam a dinâmica competitiva, a capacidade de alavancar e gerenciar eficientemente dados internos emerge como um fator crucial para o sucesso no cenário atual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das reflexões apresentadas ao longo deste artigo, torna-se evidente que a responsabilidade social corporativa não apenas cumpre um papel ético, mas também se revela como um impulsionador fundamental de vantagem competitiva a longo prazo. Celebrar o Dia Internacional da Proteção de Dados Pessoais nos instiga a reconhecer que a preservação de dados transcende o âmbito do tratamento legal de dados pessoais, sendo intrinsecamente ligada ao compromisso de construir um futuro sustentável.
Este artigo, ao propor uma reflexão sobre a construção de uma era digital ética, destaca a importância da integração bem-sucedida de medidas de proteção de dados, práticas sustentáveis e compromissos com as normas ESG. Essa integração não só atende às demandas éticas, mas também posiciona as empresas como líderes em um cenário de negócios cada vez mais consciente.
Conclui-se, portanto, que a sustentabilidade não é apenas uma escolha ética, mas um caminho estratégico para o sucesso econômico duradouro. Ao abraçar a responsabilidade social e ambiental, as empresas não apenas promovem um mundo mais ético, mas também garantem sua própria prosperidade a longo prazo.
REFERÊNCIAS
Chao AC, Pu Z. Corporate Social Responsibility and Environmentally Sound Technology in Endogenous Firm Growth. Sustainability. 2017; 9(2):234. Disponível em https://doi.org/10.3390/su9020234.
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso futuro comum Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1988.
NETO, F. P. de M. e FROES, C. (2004), Gestão da Responsabilidade Social Corporativa – O Caso Brasileiro. Qualitymark, Rio de Janeiro.
PORTER, Michael E. Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e da Concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986.
SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016.