Ocorreu no último fim-de-semana, na cidade de Tampere (Finlândia), a 30a. reunião do Conselho do Partido Verde Europeu. Durante o encontro, foram eleitos para os cargos de porta-vozes, a belga Evelyne Huytebroeck e o esloveno Thomas Waltz.
Dentre as diversas resoluções do encontro, uma diz respeito a posição dos verdes europeus sobre o Acordo UE/Mercosul, aprovado recentemente depois de mais de 20 anos de negociações.
Em artigo publicado em 24 de julho, comentei que o Acordo era uma má notícia para o meio ambiente http://medium.com/@fabianocarnevale/o-acordo-do-mercosul-com-a-uni%C3%A3o-europeia-%C3%A9-uma-m%C3%A1-not%C3%ADcia-para-o-meio-ambiente-9b1fb99d1b3a Ali, eu argumentava que “tratados de livre-comércio e preservação ambiental nunca caminharam na mesma estrada. O acordo Mercosul-UE representa um risco a mais para a emergência climática que vivemos”.
Em outubro passado, nos reunimos em Bruxelas com Evelyne Huytebroeck (agora eleita porta-voz dos verdes europeus) e outros representantes verdes europeus. Na oportunidade, entregamos um documento no qual denunciamos a política ambiental de Bolsonaro como uma ameaça global http://medium.com/@fabianocarnevale/uma-amea%C3%A7a-g-2acb5345e4d1. Em nome do Partido Verde, fomos uma das diversas organizações e movimentos brasileiros denunciando os retrocessos promovidos pelo governo Bolsonaro.
E os verdes europeus, que sempre se posicionaram com uma postura crítica ao Acordo, lançaram uma resolução (adotando boa parte do que denunciamos em outubro) que tem como pontos-chaves:
os ataques às liberdades fundamentais e aos Direitos Humanos no Brasil;
o desmatamento, o desmonte das políticas ambientais e a violência contra os povos originários no Brasil;
a fragilidade dos direitos trabalhistas nos países do Mercosul e a possibilidade de aumento do desemprego na nossa região;
as questões relacionadas à saúde, segurança alimentar e respeito ao meio ambiente;
a falta de transparência nas negociações do Acordo, que não escutaram a sociedade civil organizada nos países envolvidos e;
colocar o Desenvolvimento Sustentável na linha-de-frente de qualquer Acordo comercial da UE.
A partir desses pontos, os verdes europeus defendem:
1. Interromper o processo em andamento de finalização do acordo de livre comércio UE-Mercosul.
2. A divulgação do mandato atual de negociadores e o texto completo do acordo comercial para escrutínio público.
3. Suspender este mandato e iniciar novamente as negociações com um novo mandato acessível e negociador do Conselho da UE à Comissão que prioriza o desenvolvimento sustentável e a aplicação efetiva das medidas preventivas desde o princípio, sustentado por sólidos mecanismos de monitoramento e aplicação.
4. O envio de uma mensagem inequívoca ao Presidente Bolsonaro e aos governos de outros países do Mercosul que a UE recusará negociar um acordo comercial até que ações sejam tomadas para acabar com as violações dos direitos humanos, inclusive contra povos originários da Amazônia, que enfrentam perseguição por serem defensores do meio ambiente, contra o desmatamento e a demonstração de compromissos concretos para implementar o Acordo de Paris.
5. Apoiar a sociedade civil no Brasil e em outros países da América Latina, inclusive através da implementação do plano de ação da UE para os direitos humanos e a democracia e fortalecer os mecanismos para proteger os direitos humanos e os defensores do meio ambiente.
6. Revisão dos princípios fundamentais de todos os acordos comerciais da UE de maneira semelhante – sem impacto climático negativo, danos ambientais e sociais em qualquer atividade comercial – com a possibilidade prática de garantir que a proteção do interesse público como o meio ambiente, seja garantido e excluído de contestação judicial.
7. Garantir total transparência nos processos de negociação, bem como a participação e concordância de amplos setores da sociedade para os projetos negociados, antes da ratificação.
8. A revisão de mecanismos de proteção ao investidor, como o ISDS (Investor-State Dispute Settlement) e o ICS (sigla em inglês para Sistema de Tribunal de Investimento), que são sistemas pelos quais os investidores podem processar estados-nações por supostas práticas comerciais discriminatórias, mas que na prática limitam a capacidade de que os governos implementem reformas e programas relacionados à saúde pública, proteção ambiental e direitos humanos. A UE deve rescindir acordos existentes, incluindo tais mecanismos e não os inclua em futuras negociações. Apelamos à UE para apoiar as negociações em andamento sobre um Tratado Vinculativo da ONU sobre empresas multinacionais e direitos humanos.
(A resolução dos verdes europeus pode ser lida na íntegra (em inglês), em: http://europeangreens.eu/sites/europeangreens.eu/files/7.%20Adopted%20resolution%20EU-Mercosur%20trade%20agreement_0.pdf).
Durante a última reunião da Executiva Nacional, ficou decidido que o Partido Verde brasileiro iria aprofundar as discussões a respeito do Acordo. Estudar e escutar o que os verdes europeus estão apresentando é tarefa fundamental.
Algumas das questões levantadas na resolução deste fim-de-semana, são extremamente importantes e caras para nosso debate. A avaliação de impacto ambiental da Comissão Europeia que analisa o Acordo prevê um aumento de 63,7% das importações de carne bovina da UE do Mercosul até 2032. Para outras carnes, é previsto um aumento de 78,8% das importações da UE do Mercosul e 50% das exportações da UE para o Mercosul.
Ainda segundo o relatório, o acordo comercial poderia dificultar o fortalecimento de regulamentações para proteger o bem comum, como o meio ambiente e compromete a margem de manobra dos governos europeus na regulamentação contra os alimentos transgênicos. Ao mesmo tempo, pode comprometer os padrões de consumo local e as indústrias de alimentos nos países do Mercosul, forçando os países a conceder direitos sobre produções locais aos produtores europeus. Isso pode afetar a agricultura familiar brasileira, tão cara aos nossos compromissos históricos.
Nos cabe aqui também, debater sobre a falta de transparência na negociação do Acordo. Foi um debate quase que exclusivamente de governos, sem a participação da sociedade civil e nem dos Poderes Legislativos, principalmente da parte dos países do Mercosul. Nenhuma discussão foi aberta sobre as cláusulas, e não foi apresentado nenhum estudo de impacto do Acordo sobre os diferentes setores afetados. Alguns capítulos foram publicados em Julho, mas não temos notícias sobre as negociações dos capítulos inacabados.
Embora a Comissão Executiva da UE enfatize que o Acordo comercial compromete ambas as partes a implementar o Acordo de Paris sobre o Clima, parece que isso, até o momento, são “palavras vazias”, como bem diz a Resolução do Partido Verde Europeu.
Para aumentar nossos esforços de conhecer melhor tudo o que envolve o Acordo, o PV brasileiro deve fazer esse debate em conjunto com o PV argentino e com o Partido Verde Europeu, que hoje aparece como a quarta força no Parlamento da UE, depois da “onda verde” de julho.
Se quisermos construir uma onda verde global, precisamos estar muito atentos às políticas, debate e ações dos verdes europeus. Uma onda só se surfa se nós estivermos dropando a mesma onda, pois não adiantará nada ficarmos apenas esperando a espuma bem no fim da arrebentação.
Fabiano Carnevale é Secretário-adjunto de Relações Internacionais e Presidente Municipal do PV-Rio.