Por Jota Júnior – Secretário de organização e da juventude do Partido Verde em Porto Alegre
Após mais de quinze anos, a Alemanha terá uma nova cara. Angela Merkel, a mulher mais poderosa do mundo, decidiu não concorrer à reeleição.
Com isso, abriu-se uma discussão no país que ainda é estranha aos ouvidos da população mundial: quem assumirá o cargo de chanceler?
As eleições estão marcadas para o dia 26 de setembro. Mas antes disso, vamos lembrar um pouco sobre como funciona esse processo. Eu sei. Você já deve ter reparado, mas não custa relembrar: a Alemanha até possui um presidente, mas o seu papel é praticamente simbólico. O sistema de governo é o Parlamentarismo, no qual quem administra o Estado é o Chefe de Governo, eleito de forma indireta pela câmara legislativa, a Bundestag.
Nesse sistema, um grande destaque, ainda estranho para o cenário fisiológico e patrimonialista da política brasileira, é a importância dos partidos políticos durante o processo. Um partido, quando ele consegue obter mais de 50% da composição do parlamento, pode indicar o seu chanceler, porém este é um cenário muito improvável. Sendo assim, é necessário que os partidos façam coalizões com o objetivo de formar um governo.
Na Alemanha, existem seis partidos principais com agendas programáticas bem definidas. Em 2021, três partidos dominam o debate eleitoral: a CDU, da atual chanceler Angela Merkel, representada nessas eleições por Armin Laschet; o SPD, o representante da esquerda moderada, com Olaf Scholz; e o Die Grünen, partido verde alemão, de Annalena Baerbock.
“Não. Você não leu errado. Um partido verde é um forte concorrente nas eleições federais da maior potência econômica da Europa.”
Aqui no Brasil, essa conversa é inimaginável. Em mais de 30 anos de redemocratização, apenas Marina Silva, em 2010, quando era então candidata pelo Partido Verde, conseguiu o feito inédito de levar um partido de cunho ambiental para um cenário de destaque no palco nacional. Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis, ainda que eleitoralmente não tenham obtido sucesso em cargos do executivo, também são reconhecidos como grandes porta-vozes da institucionalização da luta ambiental no país e da coragem de trazer a pauta ecológica para as campanhas eleitorais.
O crescimento da representação verde na política europeia não é um fenômeno exclusivo dos alemães. Em 2020, a França obteve em suas eleições municipais uma verdadeira onda ambientalista em cidades de grande expressão. Suécia, Áustria e Finlândia também assistem uma ascensão das lideranças preocupadas com a questão climática. Recentemente, a Noruega teve uma eleição em que a discussão do desenvolvimento sustentável foi fundamental para a vitória da centro-esquerda. Lembrando que o país possui seu desenvolvimento econômico fortemente ligado ao setor de combustíveis fósseis (14% do PIB e 40% das exportações), responsável por 160 mil postos de trabalho diretos.
De volta à Alemanha, palco histórico do maior caso de sucesso dos Verdes, temos Annalena Baerbock (40 anos) diante de um possível grande desafio: ser a nova chanceler do país. A plataforma eleitoral é ousada: aumento de seguro desemprego e do salário mínimo, progressividade tributária e, é claro, uma postura firme de enfrentamento às mudanças climáticas. Nessa agenda, está a redução de emissão de CO2 em 70% até 2030, o aumento do valor da gasolina e a proibição de venda de carros poluentes a partir da próxima década.
Ainda que nos últimos anos a Alemanha tenha adotado medidas importantes referentes à mudança na matriz energética (Energiewende), especialmente na área solar e eólica, os desastres naturais que provocaram a morte de dezenas de alemães em 2021 fizeram com que o eleitor exigisse uma postura mais agressiva do governo em um plano de adaptação climática.
“Em 2020, o Eurobarómetro apontou que a cada 10 pessoas, 9 dizem que a questão climática deveria ser tratada como prioridade.”
E isso se refletiu em boa parte da campanha alemã, em que Annalena chegou a liderar as intenções de votos. Infelizmente, após algumas imprecisões no currículo, ataques sexistas virtuais e acusações de falta de experiência, a candidata caiu para a terceira posição.
Contudo, em função do modelo parlamentarista, é praticamente impossível pensar em uma próxima gestão sem a presença dos Verdes. Annalena possui postura de diálogo e busca se afastar de rótulos ideológicos. Por muito tempo contou com apoio tanto do setor público, quanto do privado e ganha notoriedade perante ao eleitorado nos debates em que participa por seu carisma e qualidade argumentativa.
Fato é: o partido verde tornou-se uma peça fundamental do jogo eleitoral alemão. Ainda que não seja atualmente o mais cotado para realizar o xeque-mate, ele permanece funcionando como dono do tabuleiro: o novo chanceler deverá se sentar com os verdes para definir o seu governo.