Israel Batista
*Cientista político, professor e deputado federal pelo PV-DF
Antes de ser parlamentar, sou cientista político. E um democrata convicto. A necessidade de explicar didaticamente aos meus alunos que a democracia é frágil e precisa ser cultivada, me obriga a uma constante reflexão sobre a situação política do Brasil e do mundo no alvorecer desta nova década.
Tenho clareza que não é a popularidade ou a falta dela que definem se um governante deve ou não continuar no poder: são as urnas e a escolha soberana do povo. Se a popularidade definisse quem deve permanecer na presidência, estaríamos submetidos a uma instabilidade política incontornável. Não haveria tempo para o amadurecimento das políticas públicas e, assim, viveríamos sobressaltados.
Mais que isso, considero a alternância um pilar institucional. Em um regime democrático sólido e maduro, é saudável que governos com planos e visões ideológicas distintas de país revezem-se, sem que isso, contudo, abale a estrutura e o funcionamento do Estado.
E, embora eu nutra divergências profundas e irreparáveis com o conjunto de valores e ações que sustenta o atual Governo Federal – em especial o extremismo, a intolerância, e o incentivo ao ódio e à discórdia entre os brasileiros –, não é isso que me faz declarar posição a favor do impeachment.
Por mais grotesco, sórdido, diminuto e incompetente que o presidente me pareça, ainda assim, ele é legítimo. Foi o escolhido pela maioria dos eleitores. Muito embora, a todo tempo, a legitimidade do próprio pleito, das instituições, da tripartição de poderes, dos direitos humanos, da liberdade de imprensa, da validade da ciência e do conhecimento e da própria democracia sejam aviltados por aquele que deveria ser o primeiro entre todos nós a defender tudo isso.
O que me faz apoiar o impedimento de Bolsonaro é o conjunto de ações, declarações e omissões que resultaram na extinção de milhares de vidas humanas. Vidas brasileiras. Como líder maior, cabia a ele conduzir a nação no momento mais desafiador de nossa história nos últimos cem anos.
Inspirar a população a se proteger em isolamento e quarentena. Confortar os doentes. Se juntar ao luto das famílias. Planejar ações de logística e aquisição de insumos hospitalares. Enfim, unir o país para enfrentar e vencer a pandemia e os efeitos nocivos dela na saúde e na economia nacional.
Mas o que vimos, atônitos, foi o extremo oposto disso. Bolsonaro transformou a maior tragédia sanitária dos últimos tempos em uma mesquinha disputa de narrativa negacionista que só faz algum sentido para dentro da sua bolha de apoio, alimentada por doses diárias e ininterruptas de fake news.
Mas esse negacionismo não ficou apenas na retórica, ele vertebrou todo um conjunto de ações, declarações e políticas públicas estéreis, como, por exemplo, a aquisição de toneladas de medicamentos sem eficiência comprovada.
A máquina de Estado e as suas autoridades despenderam tempo, energia e recursos num grande e patético teatro de horrores que não tardou a cobrar seu preço: mais de 200 mil mortos, o que representa 10% de todas as perdas por covid do planeta.
A mentira, centro da narrativa de campanha, foi promovida ao centro da narrativa pública. Bolsonaro a institucionalizou.
A sequência dessa lógica distópica perdura até agora e castiga o povo brasileiro pelo conjunto de equívocos grosseiros dele e de seus ministros. O governo faz guerra contra a sensatez. Vejam a guerra promovida contra os cientistas, contra a vacina, contra os governadores, contra os servidores, contra os protocolos médicos e contra a Organização Mundial da Saúde.
Vejam os ataques gratuitos da diplomacia e da família presidencial à China, que agora, por exemplo, nos coloca reféns da implosão de pontes de diálogo e negociação para aquisição de insumos valiosos para a composição da vacina.
Assinei a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que vai investigar as ações do governo diante da pandemia, mas já estou convicto que o mal maior foi colocar a ideologia acima da vida de milhares de brasileiros. E isso tem um nome: crime de responsabilidade.
E, para esses casos, o que nossa Constituição aponta é o impeachment.
Fonte: Correio Braziliense