Verdes,
Trago aqui nessas páginas, algumas palavras que nasceram de reflexões amadurecidas ao longo dos últimos anos. Não consigo me identificar com nenhuma outra agremiação partidária e, ao mesmo tempo, já não tenho conseguido me identificar com a forma como o PV vem encarando os desafios que são colocados diante de nós. Me incluo nessa crítica, afinal já integro a Direção Nacional há uns bons anos. Agora, incluindo a autocritica, apresento algumas sugestões, caminhos para permitirmos que o PV possa encher o pulmão de ar fresco, o corpo de energia e a alma de entusiasmo. Só entusiasmando nós mesmos novamente como grupo, conseguiremos mostrar a sociedade que somos diferentes e necessários. Para isso precisamos ser diferentes de fato.
André Fraga
Salvador-Bahia, 27 de Abrilde 2019.
Conjuntura
Terríveis Simplificadores
Estamos em um mundo onde os terríveis simplificadores, nas palavras de Moises Naim, venceram algumas batalhas. Trump, Bolsonaro, Salvini. Vendem soluções simples para uma política cada vez mais complexa. Se colocam como antissistema, quando integram umbilicalmente o sistema que atacam. Mas esse momento também aponta caminhos para forças comprometidas com a democracia. Nos Estados Unidos as eleições para o congresso, dois anos depois da eleição de Trump, trouxeram grandes novidades. Pela primeira vez em 229 anos, o congresso americano conta com representação de mulheres indígenas e muçulmanas. E o numero de mulheres eleitas foi recorde também: foram 95 mulheres eleitas, entre elas a mais jovem congressista da história. Além de ser impactante, foi uma resposta e uma derrota direta a Trump.
O poder como conhecemos está em franco processo de degradação. Exércitos, megacorporações, igreja, e outras instituições que historicamente detinham e mantinham por muito tempo poder e controle hoje enfrentam novos atores: menores, mais ágeis e mais conectados. Enquanto isso a política segue na lógica analógica.
O mundo transita veloz para outros modos. A revolução digital, científica e tecnológica, entrelaçada com a globalização, vai superando os modelos econômicos, políticos e sociais. Muda comportamentos, valores e oportunidades. A política responde aos impulsos pouco inspiradores das incertezas e dos medos das pessoas. Polariza-se, radicaliza-se, abre-se a forças reacionárias, que sonham com passados idealizados e irreais.
Olhando-se a política da perspectiva da sociedade ela parece não se mover, ou andar em câmera muito lenta. Ela é analógica, a sociedade é digital. Os impasses estão quase todos na política. Na sociedade, experimenta-se em busca de novos modos. Nesse momento em que o mundo conhecido desmorona e os novos mundos não são ainda identificáveis no turbilhão de novidades experimentais, predominam os comportamentos defensivos, reativos e agressivos.
Nesse ambiente, os políticos agarram-se ao poder como cracas grudam-se ao cais. O mundo todo se oligarquizou. Os canais para ascensão de novas lideranças estão fechados. Onde não há circulação de lideranças, há conflito, paralisia. Não há inovação.
As esquerdas democráticas estioladas, prisioneiras de ideias e propósitos superados historicamente, têm enorme responsabilidade no fortalecimento das direitas irresponsáveis.
São assim mesmo as grandes transições. As mudanças tectônicas se manifestam primeiro como crises, gerando angústia, perplexidade e medo. Sentimentos antagônicos à boa política. A democracia está em risco e precisa ser socorrida com urgência. O caminho é a rebelião democrática. Não só contra a onda de governantes autocráticos, contra o avanço insidioso das mentalidades autoritárias sobre o poder. Mas, principalmente, em casa, nos partidos e movimentos democráticos. Rebelião das esquerdas democráticas contra as oligarquias que impedem a renovação do seu pensamento. Revolta das direitas democráticas contra os extremistas que tomaram de assalto o campo do liberalismo e do conservadorismo.
Sergio Abranches
No Brasil não ficamos atrás. Conseguimos eleger um reacionário completamente despreparado para ocupar a presidência do país. Mas ninguém acreditava que isso era possível. Quase todos nós perdemos a capacidade de interpretação da realidade nacional. Subestimamos o descontentamento das pessoas e a possibilidade de um giro à direita. Os governos anteriores, ditos de esquerda, possuem enorme responsabilidade: venderam a alma para se manter no poder, se lambuzaram e foram pegos com a boca na botija, encerrando a esperança de milhões de brasileiros que saíram as ruas tantas vezes para elege-los. Negaram bandeiras históricas e optaram por caminhos mais simples e fáceis de trilhar, gerando uma falsa sensação de bonança econômica ancorada em um consumismo antecipada e um desenvolvimentismo século 19.
E nós? Desarticulados nacionalmente, sem uma estratégia definida basicamente assistimos o desenrolar dos acontecimentos, com pouca capacidade de intervenção na realidade à medida que a bancada de deputados federais ia minguando. Enquanto outras forças políticas foram crescendo no vácuo da nossa ausência e empunhando algumas de nossas bandeiras, continuávamos conversando com nós mesmos. Somos necessários? Sim, mas a sociedade também acha isso? Nenhum dos movimentos recentes de renovação política tem no Partido Verde uma referência. Por que não somos.
Meu Partido é um coração partido…
Há algum tempo se debate internamente como o PV vem definhando. Na maior parte das vezes esses debates se dão em grupos pequenos, em espaço não institucionais, afinal não temos espaços verdadeiramente democráticos de construção da estratégia partidária. Estratégia definida na cabeça de poucos e apresentada, quando sim, em algumas reuniões esporádicas da direção executiva. Um partido que se diz necessário mas que difere muito pouco nas práticas cotidianas dos outros. Essa é a verdade.
Se olharmos pra fora a situação é ainda mais dramática. Pulamos uma fogueira recentemente com a superação da cláusula de barreira. Por muito pouco não deixamos de ter acesso a recursos e outras benesses que legislação ainda proporciona. Porém a bancada seguiu a rota que vem trilhando há algumas eleições: encolheu ainda mais. O que isso representa? Quais os impactos para o futuro do partido? E como estamos tratando essas questões?
A verdade é que a sociedade não nos identifica, não nos vê, por que fazemos muito pouco no âmbito nacional. E a atuação nacional é a que reverbera para estados e municípios, é a que empolga e engaja a militância, subsidiando-a para os debates e embates do dia-a-dia. Nesse caso somos, no mínimo, omissos. Temos uma estrutura jurídica burocratizada e burocratizadora que não se movimenta nos grandes temas nacionais, deixando o campo livre para outros partidos e parlamentares de outros partidos tocarem nossa agenda sem marcação. O caso de Brumadinho é emblemático. Enquanto parlamentares e partidos se posicionaram no mesmo dia do crime, o PV deu entrada em uma ação na justiça quase um mês depois, rendendo zero nota na imprensa e contribuindo com nada no debate.
Não se discute a contribuição e a história dos que militaram ao longo da trajetória do PV, inclusive na construção do partido. A gratidão não deve ser apenas o reconhecimento, mas também espaço e respeito. Porém, não se pode negar que o PV entrou numa espiral invertida: rodamos, rodamos e rodamos para nós mesmos, desconectados com a sociedade, com discurso apartado da prática. É preciso, com grandeza e humildade abrir espaço, permitir que uma nova etapa comece no PV: com a colaboração e co-responsabilidade de todos.
Somos um girassol, ou apenas parecemos um?
Sabe o Girassol? Todo mundo olha pra ele e ver UMA flor, né? Na verdade o girassol é, do ponto de vista da botânica, um conjunto de muitas e muitas flores, que se chama inflorescência. Um monte de florzinhas, que juntas formam uma das mais belas plantas, que ainda por cima, segue o sol por onde ele vai. Mas nosso girassol andava meio melancólico. Aquela melancolia do plano filosófico e literário: um tédio, uma falta de interesse pelo mundo externo, uma dor existencial, uma paralisia, uma tristeza profunda, um abatimento, um desgosto. Tava lembrando um girassol no final do ciclo, murcho, entregue. Mas eis que um pouco de sol começou a raiar novamente. Essas flores começaram a se reativar. E é assim, como todas as flores que o girassol voltará a brilhar.
Para isso precisamos de um plano. E esse plano precisa atender, na medida do possível, projetos localizados importantes como a projeção de novos líderes às futuras eleições municipais, mas sempre subordinando esses projetos à batalha que se trava no momento em torno do poder político nacional e estadual. Um plano como esse só terá êxito se for assumido de forma unitária, disciplinada e entusiasmada por todos os militantes, cada um na campanha para a qual for designado, olhando o interesse do conjunto, cobrando dos candidatos igual fidelidade ao plano.
Esse plano pode focar inicialmente em quatro frentes, que considero as mais urgentes e importantes: Finanças e Transparecia, Organização e Democracia Interna, Formação e Juventude, e Propaganda e Comunicação.
Finanças e Transparência
Sabemos que os desafios e metas das frentes de atuação do partido guardam relação direta com o desempenho no terreno financeiro. O êxito dos planos depende em grande medida do sucesso na ampliação de nossas receitas bem como na correta aplicação, de forma responsável e estratégica, dos recursos que dispomos. Toda e qualquer iniciativa política, interna ou externa, fundamentais na consecução de nossos objetivos, implica aporte de recursos.
A redução na bancada e na consequente votação para deputados federais, implica diretamente na redução do aporte de recursos dos fundos partidário e eleitoral. Com esse cenário, torna-se essencial que uma revisão geral seja realizada nos gastos e custos do partido, potencializando o uso desses recursos para o que mais importa: dialogarmos com a sociedade.
AÇÃO
– Revisão das prioridades para aplicação de recursos – Portal da Transparência Partidária; – Finanças como pauta permanente nas reuniões da Executiva; – Publicação das contas partidárias em jornais, redes, etc.. – Convenção Partidária ainda em 2019 |
Ademais é urgente aprofundarmos a transparência das contas partidárias. Não deve mais se admitido que, a qualquer dúvida ou questionamento sobre o assunto, membros da Direção orientem que outros membros da direção procurem no site do TSE (que por sinal não tem nada de amigável na navegação e na prática não proporciona nenhuma transparência). Não somos necessários e diferentes? Vamos começar pela transparência na aplicação e destinação de recursos, assim como na co-responsabilidade de todos nesse quesito.
Para isso defendo que haja discussão pela direção executiva das prioridades de aplicação de recursos e que esse debate gere um plano de aplicação de recursos que seja executado de forma exemplar e detalhada gerando responsabilidade compartilhada por todos.
Esse plano deve ter uma estratégia de comunicação e transparecia exemplar, buscando inclusive se conectar com a sociedade. Publicar a prestação de contas em jornais de grande circulação, nas redes sociais, etc., certamente gerarão mídia espontânea e novos militantes ao PV.
Formação e Juventude
A formação política deve ser um espaço prioritário para o partido. É a formação que ajudará a termos eleitos comprometidos de fato com nosso ideário, buscando reduzir o problema recorrente da desconexão entre eleitos e programa partidário. Nesse sentido a formação deve ter um olhar específico e apurado para a juventude, não apenas como “público alvo” mas como segmento que contribuirá na construção da formação, a partir de linguagens modernas e elementos de engajamento mais atuais.
Por outro lado, a Juventude é sempre citada nos discursos, mas segue uma batalha cotidiana para viabilizar suas atividades. Esse é um grande exemplo de como nosso discurso reserva quilômetros de distância da nossa estratégia e tática. Ao mesmo tempo em que temos um dos quadros de visibilidade nacional com mais inserção na juventude brasileira, a Juventude do PV não tem um real de orçamento para desenvolver atividades ou campanhas.
AÇÃO
– Congresso partidário bienal – Escola Nacional de Formação – 20% do orçamento geral para ações da Juventude |
Nesse sentido o PV precisa realizar um congresso partidário bienalmente, precedido de plenárias municipais e estaduais, onde a temática verde deve ser contextualizada e debatida, gerando massa crítica e formação política programática.
Além disso, a criação de uma Escola Nacional de Formação, com cursos básicos obrigatórios a novos filiados e que desenvolva também outros cursos e ações, aprofundando as temáticas do nosso programa partidário.
No caso da Juventude, ela precisa ter um orçamento para desenvolver suas ações. A partir de um plano claro e objetivo, a Direção Executiva Nacional deve disponibilizar 20% dos recursos para ações e atividades para engajamento e relação com movimentos juvenis, como metas de filiação e participação.
Propaganda e Comunicação
É claro que a ação de propaganda e comunicação tem relação direta com as realizações do partido de forma geral. É preciso ter algo para propagandear e comunicar. Nesse sentido é importante que as iniciativas de propaganda do PV se conectem diretamente com as outras iniciativas do partido, especialmente como verdes nos parlamentos e governos com bons exemplos a serem explorados.
AÇÃO
– Criação de plantão jurídico do PV – Assessoria externa para engajamento e audiência nas redes digitais |
Explorar mais a linguagem audiovisual e as mídias sociais, mas de forma estratégica e profissional. Hoje há muitos recursos disponíveis no mercado que ajudam a impactar públicos específicos e gerar mais engajamento, dentro da legalidade.
A ação nas mídias sociais não pode ser um conjunto de cards pasteurizados que não gerarão engajamento. Isso está claro no número de pessoas que seguem o Instagram oficial do PV. Por outro lado, temos um fenômeno das redes sociais brasileiras, Eduardo Jorge, em nossas fileiras, mas não sabemos aproveitar isso.
Precisamos na prática de ações mais intensas na difusão das ideias e propostas do partido, com identidade própria, buscando a diferenciação das outras forças políticas. Iniciativas neste sentido devem ocorrer de forma integrada nas inserções de rádio e TV – institucional e eleitoral- mídia externa e publicações.
O horário de TV foi uma oportunidade perdida. Colocar sempre os mesmos dirigentes falando as mesmas coisas nos apresentou por anos de forma muito parecida aos outros partidos. Uma animação, um mini doc, algo que nos diferenciasse e chamasse a atenção para nossas ideias. Temos pouco tempo e dinheiro e se nos apresentarmos como os outros passaremos desapercebidos.
Essencial ainda a criação de um plantão jurídico que esteja atento ao que acontece no país e tenha uma ação rápida e enérgica na judicialização de temas que podem dar visibilidade aos verdes e que estejam em nosso arcabouço ideológico. Esse plantão deve ser liderado pela direção partidária em conjunto com a liderança da bancada na Câmara de Deputados, onde pode funcionar. Esse plantão conectado a comunicação tem o poder de gerar notícias, produzindo engajamento.
Organização e Democracia Interna
A última convenção partidária deu alguns passos para a criação de mecanismos de participação mais democráticos. Infelizmente parte desse movimento foi motivado pela determinação do TSE da obrigatoriedade para que partidos políticos, o que inclui o PV, elegessem e empossassem diretórios partidários, com mandatos e ritos mais democráticos. Para um partido como o PV, que não se cansa de dizer diferente e necessário, essa determinação não deveria fazer sentido. Mas fez. Só agora teremos um movimento, orientado pela Direção Nacional, de criação de diretórios municipais e estaduais.
AÇÃO
– Fim da reeleição para funções na Direção Executiva Nacional – Planejamento Estratégico para cada Secretaria da Executiva Nacional |
Mas ainda é preciso aprofundar nossa democracia interna. É preciso gerar mais rotatividade nas funções executivas eliminando a possibilidade de reeleição pra qualquer cargo.
Outro elemento essencial deve ser a exigência de um plano estratégico por secretaria, a ser apresentado e aprovado em reunião de executiva, com garantia de recursos para viabilizar as atividades e contribuir com os desafios do partido.
Os planos estratégicos de cada secretaria gerarão o Plano Estratégico partidário, como horizonte de dois anos (gestão), mas também deve conter metas de longo prazo.
TEXTO DE APOIO
Trecho do livro “O Fim do Poder” de Moisés Naím, Editora Casa da Palavra, 2013.
Descrição: O mundo vem passando por uma série de transformações. Potências hegemônicas como os Estados Unidos têm de lidar com cada vez mais limitações em sua atuação, e as grandes companhias agora enfrentam a crescente ameaça dos pequenos empreendimentos. O poder, na política ou nos negócios, está se tornando mais fragmentado. Ao longo de O fim do poder, o escritor venezuelano Moisés Naím discute as mudanças pelas quais o mundo vem passando desde meados do século XX e procura explicar por que o poder é hoje tão transitório – e tão difícil de manter e usar –, examinando o papel das novas tecnologias e identificando as forças que estão por trás dessas transformações. Não se trata do fi m das grandes corporações ou do conceito de “potência hegemônica”, mas sim de um fenômeno mais complexo, no qual todos nós estamos envolvidos, e que está instaurando um paradigma inédito na história da humanidade.
Fortalecer os partidos: as lições de Occupy Wall (Ocupar parede) Street e da Al Qaeda
Na maioria das democracias os partidos continuam sendo as principais organizações políticas e ainda conservam bastante poder. Mas, apesar das aparências, estão fragmentados, enfraquecidos e polarizados tanto quanto o sistema político a que pertencem. Na realidade, hoje a maioria dos partidos políticos tradicionais são incapazes de exercer o poder que tinham antes. Um exemplo ilustrativo foi a aquisição hostil do Partido Republicando pelo Tea Party e as divisões que este último desencadeou naquele que já foi uma das mais poderosas máquinas políticas do mundo. E podemos ver conflitos similares de facções formações políticas do mundo inteiro.
Sob todos os aspectos, desde a década de 1990 os partidos políticos vêm passando por maus momentos. Na maioria dos países, as pesquisas de opinião mostram que seu prestígio e valor aos olhos dos eleitores a quem eles supostamente servem estão declinando e, em alguns casos, despencaram ao nível mais baixo já registrado.
O fim da Guerra fria e, mais especificamente, o colapso do consumismo como ideia e inspiração apagaram as linhas ideológicas que davam a muitos partidos sua identidade particular. À medida que as plataformas eleitorais se tornaram indistinguíveis, as personalidades dos candidatos viraram o principal fator de diferenciação, e muitas vezes o único. Para vencer eleições, os partidos políticos passaram a depender cada vez menos do apelo popular de seus ideais e mais das técnicas de marketing, do desempenho dos candidatos na mídia e, é claro, do dinheiro que eram capazes de levantar. Para ganhar também se tornou indispensável saber atacar impunimente a ética do candidato rival, de preferência com insinuações – ou até acusações diretas – de corrupção ou de estar a serviço de interesse particulares, acusações que são imediatamente respondidas pela outra parte com agressões similares, redundando assim no desprestígio de ambos os candidatos. Naturalmente, os mesmos escândalos que mancham a imagem dos políticos também afetam as organizações às quais pertencem. Além disso, meios de comunicação mais livres, assim como parlamentos e juízes mais ativos e independentes, têm garantido que as práticas corruptas que antes eram ocultadas ou toleradas em silêncio se tornem dolorosamente visíveis e ostensivamente criminosas, o que degradou ainda mais a “imagem de marca” do partido político. É impossível saber com precisão se a corrupção política de fato aumentou nas últimas décadas, mas com certeza recebeu maior publicidade do que nunca
E, enquanto os partidos políticos enfrentaram dificuldades, os movimentos sociais e as organizações não governamentais (ONGs) floresceram. Até organizações terroristas criminosos como a Al Qaeda (que sob aspectos importantes são também ONGs) tornaram-se globais e tiveram uma próspera trajetória na década de 1990. Á medida que os vínculos entre os partidos políticos e seus eleitorados se enfraqueciam, fortaleciam –se os vínculos entre as ONGs e seus seguidores. E enquanto o crédito dos políticos e dos partidos afundava, cresciam o reconhecimento e a influência das ONGs. A confiança nas ONGs aumentou com a mesma rapidez com que essa confiança declinou em relação aos partidos. A capacidade das ONGs de recrutar ativistas jovens e altamente motivados, dispostos a fazer alguns sacrifícios pela organização e sua causa, denota uma capacidade organizacional que se tornou escassa nas formações políticas.
Enquanto as ONGs dedicam a seus objetivos específicos e com frequência monotemáticos com um zelo obstinado, os partidos políticos perseguem uma multiplicidade de metas diferentes, até mesmo contraditórias, e parecem obstinados apenas em captar fundos de campanha.
Em países onde os partidos políticos continuaram proibidos ou reprimidos, as ONGs tornaram-se o único canal de ativismo político e social. Em quase todos os demais países, as ONGs cresceram rapidamente porque estavam menos contaminadas por corrupção, pertenciam quase sempre a uma rede internacional mas ampla e geralmente tinham ideias mais claros, uma estrutura menos hierarquizada e uma relação mais próxima com seus membros. Além disso, as ONGs tinham a vantagem de possuir uma missão uma missão clara. Quer se dedicassem á defesa dos diretos humanos, á proteção do ambiente, á diminuição da pobreza, ao controle do crescimento populacional ou a ajudar os órfãos, para seus membros era fácil lembrar por que valia a pena apoiar essas organizações. Todos esses fatores atraíram para as ONGs novos grupos de ativistas políticos, que no passado teriam naturalmente gravitado em torno de paridos políticos.
O crescimento das ONGs é, em conjunto, uma tendência positiva. O que é muito menos bem-vindo, e na realidade deveria ser revertido, é a erosão no apoio aos partidos políticos, que em muitos países – Itália, Rússia, Venezuela, entre outros – produziu seu virtual desaparecimento e substituição por máquinas eleitorais ad hoc.
Para que os partidos vivam um renascimento e melhorem sua eficiência, eles têm de recuperar a capacidade de inspirar, estimular e mobilizar pessoas – especialmente os jovens. Caso contrário, eles passarão a desprezar de vez a política, ou a canalizar sua energia política por meio de organizações de propósitos específicos ou menos de grupos radicais e anárquicos que pouco contribuem com as soluções práticas que se fazem necessárias.
Os partidos políticos devem, portanto, mostrar disposição para adaptar suas estruturas e métodos ao mundo do século XXI. O mesmo organograma relativamente horizontal e menos hierarquizado que permite ás ONGs maior flexibilidade e sintonia com as necessidades e expectativas de seus membros poderiam ajudar também os partidos políticos a atrair novos militantes, ganhar agilidade, desenvolver programas mais inovadores, propor ideias mais inspiradoras e, com um pouco de sorte, impedir que os terríveis simplificadores que medram e fora de suas estruturas cheguem a ter influência.
As ONGs conquistam a confiança de seus seguidores fazendo-os sentir que suas ações têm impacto, que seus esforços são indispensáveis, que seus líderes respondem por eles e são transparentes, em vez de estarem nas mãos de interesses obscuros ou desconhecidos. Os partidos políticos precisam despertar esses mesmos sentimentos de segmentos da sociedade mais amplos e ser capazes de recrutar membros além de sua base estreita e tradicional de ativistas leias.
Só então serão capazes de recuperar o poder que precisam ter para governar-nos bem.
Aumentar a participação política
Falar é fácil; o difícil é fazer. Quem tem tempo para isso? E paciência para assistir a todas as reuniões e atividades em grupo exigidas pela participação em qualquer empenho coletivo – especialmente ao militar num partido político? Essas são outras boas razões para explicar por que a maioria das pessoas se dedica tão pouco aos partidos políticos ou ás causas sociais, além de fazer uma contribuição ocasional ou participar de uma manifestação muito de vez em quando. Sob circunstância normais, a participação política e o ativismo são coisa de minorias.
Mas nos últimos anos temos sido surpreendidos por repentinos surtos de interesse em assuntos públicos, pela mobilização de grande número de cidadãos usualmente desinteressados, até mesmo apáticos, e pelo envolvimento de dezenas de milhares de pessoas em atividades políticas que exigem muito mais (e em alguns países são mais perigosos) do que simplesmente participar de uma reunião de partido político.
Nos Estados Unidos, por exemplo, Barack Obama e sua campanha presidencial de 2008 foram capazes de motivar grande número de novatos políticos e jovens que normalmente não teriam mostrado interesse nem teriam se dedicado às atividades de eleitorais de nenhum dos dois partidos.
Além da origem e da raça do candidato, na campanha de 2008 houve inovações no uso das redes sociais para dirigir a propaganda política a eleitores específicos, o uso e recrutamento de voluntários e emprego de novas estratégias para arrecadar fundos. Os novatos políticos na campanha de Obama não foram a única surpresa do repentino surto de ativismo político por parte de grupo normalmente apáticos. Estimulados, ou melhor, enfurecidos com a crise financeira e com a percepção da iniquidade na distribuição dos fardos da crise, o movimento Occupy Wall Sreet e seus milhares de equivalentes em cidades ao redor do mundo surpreenderam os governos e partidos políticos, que se apressaram em tentar compreender o seu caráter e seu modo de funcionamento, ao mesmo tempo que procuravam formas de aproveitar a energia política desses movimentos espontâneos. O mesmo aconteceu com os protestos de cidadãos no Brasil, Turquia, Chile, Colômbia e México em 2013.
A manifestação mais surpreendente e de maiores consequências dessa tendência ativista geral começou com um levante numa pequena cidade da Tunísia em dezembro de 2010. Ele levou à derrubada do governo desse país e, em última instância, a uma contagiante onda de protestos e manifestações por todo o Oriente Médio, que se tornou conhecida como Primavera Árabe. Milhões de cidadãos antes passivos – e oprimidos – transforma-se em atores políticos dispostos a extremos sacrifícios, arriscando suas vidas e até pondo suas famílias em perigo. Em contraste com os movimentos “Occupy”, que até agora têm sido incapazes de converter a energia política em poder político, na Primavera Árabe o despertar político produziu de fato importantes mudanças no poder.
Em circunstâncias normais, a participação política é coisa de pequenos grupos de ativistas engajados, mas em outras situações, como nas revoluções, toda a sociedade se volta com fervor para o ativismo político. Mas as revoluções são muito custosas, e seu resultado é incerto demais.
Nada garante um resultado positivo. Portanto, é preciso tentar evitar revoluções caras e de resultados imprevisíveis e, ao mesmo tempo, despertar e canalizar a energia política latente em todas as sociedades para conseguir as mudanças necessárias. A melhor maneira de fazer isso é, obviamente, por meio de uma democracia que funcione e com partidos políticos capazes de atrair e reter os militantes idealistas e comprometidos que agora canalizam sua vontade de mudar o mundo por meio de ONGs, com objetivos louváveis, mas muito específicos.
Repensar os partidos políticos, modernizar seus métodos de recrutamento e transformar sua organização e suas atividades pode torna-los mais atraentes e mais dignos das sociedades que desejam governar. No melhor dos casos, os partidos poderiam inclusive converter-se em laboratórios mais eficazes da inovação política.
Só quando restabelecermos a confiança no nosso sistema político e, portanto, dotarmos nossos líderes da capacidade de deter a degradação do poder, habilitando-os a tomar decisões difíceis e evitar a paralisação, poderemos abordar os desafios mais prementes. E para isso precisamos de partidos políticos mais fortes, mais modernos e mais democráticos, que estimulem e facilitem a participação.
A onda de inovações políticas que se avizinha
Resgatar a confiança, reinventar os partidos políticos, encontrar novas vias para que o cidadão comum possa participar de verdade do processo político, criar novos mecanismos de governança real, limitar as piores consequências dos pesos e contrapesos e, ao mesmo tempo, evitar a excessiva concentração de poder e aumentar a capacidade dos países de atacar conjuntamente os problemas globais: esses devem ser os objetivos políticos fundamentais da nossa época. Sem essas mudanças, será impossível um progresso sustentado na luta contra as ameaças nacionais e internacionais que conspiram contra nossa segurança e prosperidade.
Nessa época de constante inovação, na qual quase nada do que fazemos ou experimentamos no cotidiano deixou de ser afetados por novas tecnologias, existe uma área crucial que surpreendentemente mudou muito pouco: a maneira como governamos a nós mesmos. Ou as nossas formas de intervir como indivíduos no processo político. Algumas ideologias têm perdido apoio e outras o ganharam, os partidos tiveram seu auge e seu declínio, e algumas práticas de governo foram aprimoradas por reformas econômicas e políticas e também graças à tecnologia da informação. Hoje, as campanhas eleitorais utilizam métodos mais sofisticados de persuasão – e, é claro, mais pessoas do que nunca são governadas por um líder que elas elegeram e não por um ditador. Embora bem-vindas, essas mudanças não são nada em comparação com as extraordinárias transformações nas comunicações, medicina, negócios, filantropia, ciência ou na guerra.
Em resumo, a inovação disruptiva não chegando ainda à política, ao governo e à participação cidadã.
As vai chegar. Estamos à beira de uma revolucionária onda de positivas inovações políticas e institucionais. Como este livro tem mostrado, o poder está mudando tanto e em tantos âmbitos que seria surpreendente que não aparecessem novas formas de usar o poder para responder melhor às necessidades e exigências das pessoas. Por isso é que não é irrealista prognosticar que veremos inevitáveis transformações na forma pela qual a humanidade se organiza para sobreviver e progredir.
Não seria a primeira vez que isso se daria. Em outra época também houve eclosões de inovações radicais e positivas na arte de governar. A Revolução Francesa são apenas dois dos exemplos mais conhecidos. Já Steele Commager afirmou em relação ao século XVIII:
Inventamos praticamente todas as grandes instituições políticas importantes que temos, mas desde então não inventamos mais nenhuma. Inventamos o partido político e a democracia e o governo representativo. Inventamos o primeiro sistema judiciário independente da história. […] Inventamos o procedimento de revisão judicial. Inventamos a superioridade do poder civil sobre o militar. Inventamos a liberdade religiosa, a liberdade de expressão e a Declaração de Direitos – bem, poderíamos seguir adiante indefinidamente. […] É uma herança considerável. Mas o que inventamos desde então que tenha uma importância comparável?
Após a Segunda Guerra Mundial, sem dúvida experimentamos outro surto de inovações políticas destinadas a impedir outro conflito global desta magnitude. Isso levou à criação das Nações Unidas e de toda uma série de organismos especializados, como o Banco mundial e o Fundo Monetário Internacional, que mudaram o cenário institucional do mundo.
Agora está em curso outra onda de inovações, de maior envergadura ainda, que promete mudar o mundo tanto quanto as revoluções tecnológicas das duas últimas décadas. Ela não será de cima para baixo, não será ordenada nem rápida, fruto de cúpulas ou reuniões, mas caótica, dispersa e irregular. No entanto, é inevitável.
Impulsionada pelas mudanças na maneira de adquirir, usar e manter o poder, a humanidade deve e vai encontrar novas fórmulas de governar a si mesma.
André Fraga