Ao simplificar o que a ciência política define como nação, chegaríamos em algo próximo a reunião de pessoas com similaridade de etnia, tradição e língua. Nesse conceito, a consciência nacional derivaria naturalmente do conjunto destes elementos em comum. Essa consciência seria o vetor de constituição de um povo e da abstração da ideia de pátria mãe. Mas o que fazer quando a sensação mais nuclear de pertencimento coletivo se dissipa em estranhamentos profundos, ao ponto de perdermos de vista o que nos une e só enxergarmos o que nos aparta?
Sim, eu me refiro ao Brasil de 2021 e à dificuldade latente em nos entendermos em nossas divergências. Foi o ódio fabricado, induzido e disseminado propositalmente para alimentar disputas mesquinhas de poder que fez não nos reconhecermos mais como irmãos nem na data cívica mais importante do ano. É Sete de Setembro e estamos divididos em uma ocasião que tradicionalmente celebramos em harmonia uníssona, como um só povo. A quem interessa essa divisão? Certamente, ao Brasil não interessa.
Em qual esquina da nossa história nos despedimos da fidalguia? Em que momento um compatriota passou a ser um desafeto a depender de sua preferência ideológica? O que fez a vibrante e colorida aquarela do Brasil passar a dispor apenas de tons de cinza fosco e desbotado? Sem nos darmos conta, permitimos que até o Dia da Independência passasse a servir de ferramenta vil das disputas de narrativa. Isso, por si só, é um crime de lesa-pátria.
Não me parece razoável que a essa altura tenhamos perdido a capacidade de convergir e de conversar. De argumentar e respeitar. Recuso-me a aceitar que desaprendemos a nos abraçar e seguir a vida depois de uma acalorada discussão entre amigos ou familiares. De rirmos juntos após o debate eloquente. Não me conformo com a avaliação de que involuímos em nossa civilidade e perdemos o bom humor nativo.
Mas temos escolha. Nada nos obriga a continuar alimentando o fratricídio. E, embora essa palavra seja pouco falada no meio político, talvez por medo de parecer ingênuo ou pueril, não existe outra solução mais clara e eficaz para a neutralização do ódio que não seja o amor. É preciso resgatar o amor ao país. É preciso fazer um reexame honesto e sincero de onde nos perdemos do sentimento pátrio que nos unifica e, a partir daí, reencontrá-lo. Não me refiro a um patriotismo histriônico, segregacionista e infantilizado. Refiro-me a um retorno às raízes da nossa formação e aos propósitos que nos fizeram requerer e conquistar a independência. E ainda, ao potencial que temos de, com tudo que somos, contribuir com o processo civilizatório e com progresso da humanidade.
Embora uma fotografia do momento possa sugerir o contrário, esse sempre foi o nosso caminho natural. Foi o afeto, a gentileza e a beleza que nos fizeram chegar até aqui e que nos fizeram sermos vistos e respeitados por todas as nações do mundo. O sectarismo nos empobrece e descaracteriza, evidenciando o que temos de mais pobre, nos mostrando primitivos. A diversidade sempre nos potencializou, ofertando a criatividade e alegria brasileira como pilar de uma nova e possível civilização. O nosso gingado sempre foi nossa melhor e mais rica versão. Temos uma vocação e uma missão no mundo e precisamos assumi-la. Juntos. Somos a nova Roma dos trópicos como definiu Darcy Ribeiro, lavada sobre o sangue índio e negro, constituindo um povo que se fez a si mesmo, apesar da terrível brutalidade, incapacidade e mediocridade da classe dominante.
Temos desafios gigantescos, urgentes e concretos como a explosão do custo de vida, desemprego em massa, o deficit educacional, o desmonte do serviço público e a volta dos fantasmas da inflação, da fome e da pobreza extrema e não existe fórmula mágica, muito menos super herói capaz de enfrentar isso sozinho. Enquanto as torcidas organizadas dos políticos disputam quem grita mais alto, nosso povo amarga uma realidade concreta cada dia mais dura. Só o resgate da nossa unidade como povo — para além das diferenças — mobilizará a energia necessária para superar e vencer esse quadro. E não há outra forma de mobilizar essa energia que não seja inspirada no amor pelo Brasil.
Fonte: Correio Braziliense