Repovoamento de ararinhas-azuis no habitat natural é inédito no mundo
Em meio ao descalabro que vivemos na política ambiental brasileira, uma notícia alvissareira, que aquece o coração, nos chega de Curuçá, município baiano às margens do rio São Francisco. No próximo dia 11 de junho, oito ararinhas-azuis serão soltas na natureza, enfeitando o céu, ali onde um dia viveram seus avós.
Endêmica da caatinga, a espécie, cobiçada por sua extraordinária beleza, está extinta na natureza há 22 anos devido ao intenso tráfico ilegal. Foi feito, então, um longo trabalho de localização de indivíduos criados em cativeiro ao redor do mundo e de construção de acordos para o aumento da população, que passou de 50 para os atuais 250 animais.
Ararinha-azul
Em março de 2020, 52 deles foram trazidos da Alemanha e da Bélgica e mantidos num criadouro em Curuçá para adaptação ao clima e à alimentação, treino de voo e integração a um grupo de maracanãs, aves da mesma família, que serão soltas com as ararinhas e suas “professoras” na busca por comida e abrigo e nas estratégias para escapar de predadores na natureza.
Várias instituições nacionais e estrangeiras participam desse esforço de reintrodução, como o Projeto Blue Sky Caatinga, tendo à frente o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que coordena o trabalho de conservação, e a Association for the Conservation of Threatened Parrots. O sucesso dessa cooperação internacional, com sua riqueza humana e técnica, é um alento para nós que trabalhamos com preservação.
Pude dar meu quinhão de contribuição, como ministro do Meio Ambiente, para o sucesso dessa empreitada, estabelecendo parcerias e destinando recursos para a construção do centro em Curuçá, onde hoje estão as aves que serão soltas, em etapas, ao longo dos próximos cinco anos. Esse repovoamento do habitat natural por uma espécie extinta é inédito no mundo.
Ararinha-azul
A dedicação de tantas pessoas, de diferentes origens, para chegarmos até aqui, simboliza a compreensão de nossa responsabilidade comum. A ação do homem, que, vivendo sua natureza de ser social, usa, modifica, constrói e, “hélas!”, destrói seu próprio ambiente, é um doloroso paradoxo. Por isso, quando cuidamos de nossa casa comum, que é como o papa Francisco se refere à Terra, resgatamos a nós mesmos. O Santo Padre, falando sobre perda da biodiversidade, em sua carta encíclica “Laudato Si”, diz que “não basta pensar nas diferentes espécies apenas como eventuais “recursos exploráveis, esquecendo que possuem um valor em si mesmas”.
Temos, segundo a Constituição brasileira, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O direito das espécies à existência, por sua vez, vai além da ordem jurídica, do que cabe ao homem conceder, é imanente. O que podemos e devemos fazer é dar o nosso melhor para que esse direito se cumpra.
Para isso, todos os nossos biomas devem ser reconhecidos como patrimônios nacionais. A caatinga, lar das ararinhas-azuis, e o cerrado, savana mais biodiversa do mundo, precisam urgentemente desse reconhecimento para reverter o processo de devastação de que têm sido objeto.
Quero destacar dois aspectos que me parecem fundamentais no combate à extinção. Primeiramente, o envolvimento da comunidade, a visão de que as pessoas fazem parte do meio ambiente e são absolutamente necessárias para a sua preservação. Se bem informadas e amparadas em suas necessidades, elas se tornam protetoras ardorosas da natureza que as cerca e ainda podem usufruir da movimentação econômica gerada pelo desenvolvimento do ecoturismo.
Animais ameaçados de extinção
Outra questão, ainda vista aqui no Brasil por alguns de forma preconceituosa, é a importância dos criatórios para a proteção das espécies ameaçadas. Os criadouros que participam deste trabalho estão salvando as ararinhas-azuis! Temos que aprender com essa experiência e multiplicá-la, pois nossos livros vermelhos, que indicam a fauna e a flora em situação de risco, estão cada vez mais volumosos.
A alegria de podermos voltar a nos regalar com a beleza da ararinha-azul na natureza se soma ao que a reintrodução representa para o seu bioma. A espécie tem papel muito importante para a caatinga, pois atua na dispersão de sementes. E sabemos que todas as espécies, desde as mais exuberantes até as mais singelas, são necessárias para o equilíbrio dos ecossistemas.
Recordo da “Festa no Céu”, uma das fábulas mais populares de nosso país, passada de geração em geração, exemplo do poder da cultura oral. Lembro-me dela porque fala de pertencimento: o céu é das aves, as aves são do céu. A ararinha-azul está voltando para casa. Hoje tem festa no céu!
José Sarney Filho
Membro da Executiva Nacional do PV e Secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal