‘Onde está tudo aquilo agora?’ é um balanço de cinco décadas da vida agitada do ex-deputado e colunista do ‘Estado’
GABRIEL MANZANO – O Estado de S.Paulo
Passados 33 anos de sua primeira pergunta – O que é isso, companheiro? – o jornalista Fernando Gabeira lança no dia 5 a segunda da série: Onde está tudo aquilo agora? Se a obra inicial era um balanço de sua breve militância na luta armada, constituída por um sequestro, uma prisão e um exílio, a segunda abre o olhar para cinco décadas de uma vida agitada, iniciada ainda jovem em Juiz de Fora (MG) com “um difuso desejo de liberdade”. Atravessa o jornalismo, a rebeldia, o exílio, a causa ecológica, o PT e o PV mais 16 anos como deputado e candidato, para terminar com a pergunta do título.
A pergunta-memória de Gabeira, colunista do Estado, vai repartir espaço, nas livrarias, com paisagens semelhantes e recém-lançadas. Uma delas, As Duas Guerras de Vlado Herzog, é um relato do jornalista Audálio Dantas sobre a vida daquele jornalista e o que significou sua morte para a redemocratização. Outra, Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo, é uma investigação de Mario Magalhães sobre o maior mito da resistência armada à ditadura militar.
O meio século vivido por Gabeira é um nunca acabar de esperanças e trombadas. Depois de “uma época exuberante, de afeto, farras e discussões intelectuais”, ele caiu na esquerda, apostando no futuro como “uma invenção nossa”. Em ritmo de thriller cinematográfico, ele é preso após o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick e baleado nos rins. Seu roteiro passa por Oban, Ilha Grande, Argélia, Cuba, Berlim, Santiago e, por fim, Estocolmo, de onde voltou ao Rio nas asas da Anistia e virou súbita celebridade, já em 1979, com uma sunga de tricô roxa brilhando ao sol na praia de Ipanema. Sofreu solidões, derrotas, ganhou o pão vendendo livro, foi porteiro de hotel na madrugada e cortou grama para viver.
“Éramos parte de um fracasso histórico”, admite o autor, com franqueza, ao desembarcar em Estocolmo fugido do golpe no Chile. “Eu tinha perdido o script da história (…) aquela confiança em que as coisas se desenrolariam como Marx previra.” Na volta ao Rio, anos depois, a estranheza: “Não existe volta ao país, nem você nem o país são os mesmos”.
O livro relata ainda a cruzada ecológica e duas décadas de Gabeira na política nacional, com a criação do PV.
“Achava que a esquerda só cresceria se abandonasse a fixação na luta de classes e abrisse espaço para novos temas”, diz. E vai constatar, já nos anos 90: “Depois de muito arroz integral, cachoeiras e comunidades, cheguei à conclusão de que estava buscando algo que não existia”. Era o desencanto assumido, já em pleno governo Lula, com o PT e com o desinteresse por uma política ambiental séria.
Candidato. O novo elo da cadeia foi num cenário menor, o Rio de Janeiro, com as candidaturas a governador e a prefeito – e a lição da vez foi perceber a diferença entre campanhas eleitorais com dinheiro e sem. “Chegara a hora de deixar a política como profissão”, resume enfim, nas páginas finais. Cobrado sobre o que virá depois do livro, o jornalista setentão lembra a sua frase final: “A realidade é móvel como pluma ao vento” – a exemplo da heroína da ópera. “Vejo como um momento. A gente retoma quanto a cena mudar.”
Fonte: O Estado de São Paulo