A definição mais cáustica e certeira sobre a República, proclamada pelo marechal Deodoro da Fonseca há exatos 130 anos, foi feita por um ardoroso republicano, o jornalista Aristides Lobo (1838-1896): “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”.
Essa ausência de raízes populares denunciada pelo jornalista foi responsável pelos vícios de origem da nossa República: nascida de um golpe militar, ela logo se transformaria em um condomínio de oligarquias regionais.
Em busca da estabilidade política, os fundadores da República brasileira se inspiraram na “grande nação do norte“ e implantaram aqui um regime semelhante ao de lá, o sistema presidencialista. Só que em “terra brasilis” esse regime se revelaria um corpo estranho, pois as condições socioeconômicas, políticas, históricas e culturais do Brasil eram —e são— completamente diversas das dos norte-americanos.
O resultado foi um regime absolutamente instável: em 130 anos de República, quase toda presidencialista, tivemos de tudo: rebeliões e tentativas de golpes militares, como a Revolta da Armada e as insurreições tenentistas; duas ditaduras (o Estado Novo e a ditadura militar); três presidentes depostos (Washington Luís, Getúlio Vargas e João Goulart); um que se suicidou no palácio para não ser deposto (Getúlio Vargas); outro que renunciou (Jânio Quadros) e dois que sofreram impeachment (Fernando Collor e Dilma Rousseff). Nesse período, o Brasil teve nada menos do que sete (!) Constituições, se considerarmos como Carta a emenda de 1969 à Constituição de 1967, que absorveu elementos ditatoriais, como o AI-5.
A única experiência de parlamentarismo que a República experimentou foi efêmera, fruto de uma negociação para garantir a posse do vice-presidente João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Os chefes militares tentaram vetar a posse de Jango, mas encontraram resistência da sociedade civil e tiveram de recuar. Para evitar uma derrota humilhante, costurou-se um parlamentarismo “frankenstein” para reduzir os poderes do presidente. Esse sistema foi derrubado por meio de um plebiscito, em 1963.
O presidencialismo foi consolidado pela Constituição de 1988 e por um plebiscito em 1993. Sua disfunção se revela naquilo que o cientista político Sérgio Abranches designou como “presidencialismo de coalizão”: uma fragmentação do poder parlamentar em vários partidos políticos (hoje 25 com representação no Congresso), o que obriga o Executivo a uma prática de troca de favores para obter maioria e aprovar sua agenda. Essa prática foi responsável por grandes escândalos de corrupção, como o dos anões do Orçamento, o mensalão e o petrolão, para citar só os mais conhecidos.
O atual presidente, Jair Bolsonaro, se elegeu prometendo acabar com esse sistema, mas em pouco tempo sofreu tantas derrotas no Congresso que ficou claro que ele não conseguirá governar sem uma base sólida nas duas Casas —coisa que, por inabilidade política, não conseguiu criar até hoje. O “presidencialismo de coalizão” saiu pela porta e voltou pela janela.
É sabido que não se escreve a história do que não foi, mas é perfeitamente legítimo imaginar quantas crises o Brasil republicano teria evitado se tivesse adotado, em algum momento de sua trajetória, o regime parlamentarista —não como uma ação extemporânea, como em 1961, mas como uma verdadeira alternativa política à estabilidade.
Nunca é tarde, porém; o aniversário de 130 anos da República é um bom momento para refletirmos.
Por JOSÉ LUIZ PENNA – presidente nacional do Partido Verde