Artigo do Dep.Fed. José Paulo Tóffano (SP):
O Fórum Mundial da Água reuniu técnicos, parlamentares, chefes de estado e a sociedade civil em Istambul, na Turquia. O ponto forte foi a ampla participação parlamentar, fazendo o assunto entrar na agenda dos estados nos quais não estava e fortalecendo onde já existia essa preocupação.
A cidade de Istambul tem, no mínimo, dois componentes que a tornam especial quando recebe um evento relacionado ao tema água. O primeiro deles é ser a única cidade localizada parte na Europa, parte na Ásia, separada exclusivamente por uma ponte sobre o estreito de Bosphorus, ponto estratégico na geopolítica mundial. O segundo é que lá a água era motivo de preocupação por volta do ano 500, quando começaram a ser construídas suntuosas cisternas que garantiam o abastecimento da cidade nos momentos de guerra.
A cidade européia-asiática sucedeu a Cidade do México nesse encontro organizado pelo Conselho Mundial da Água e que acontece a cada três anos. Fóruns de preparação aconteceram em várias regiões do planeta nos cinco continentes, envolvendo parlamentares, capacitando-os e estimulando-os para o assunto.
Tive a oportunidade de promover, como presidente da comissão de meio ambiente do Parlasul, em parceria com a Rede de Vigilância Interamericana pelo direito à água, um fórum preparatório na cidade de Montevidéu, com maciça participação de parlamentares do Mercosul e da sociedade civil. Depois foi a vez de Foz do Iguaçu congregar os países das Américas. Retiramos de lá um documento que foi apresentado em Istambul.
Este documento lembra das metas de desenvolvimento do milênio, estabelecidas pela ONU que propõe a redução pela metade das pessoas sem acesso sustentável à água potável e saneamento básico até 2015. Nós brasileiros temos tudo para alcançar essas metas. Mas e o restante do mundo? Como podemos colaborar? Quais consequências nos atingirão se outros países não alcançarem as metas?
Ainda que estejamos caminhando para atingir as metas da ONU, temos desafios espinhosos pela frente. Não temos regulamentação adequada para o uso da água nem para o pagamento dos serviços ambientais de quem se preocupa em conservá-la no sistema. Precisamos criar fórmulas que incentivem a conservação e a reposição de remanescentes florestais, fundamentais para o aumento do estoque hídrico. Quem presta esse serviço ao ecossistema tem que ser recompensado.
Não temos legislação específica para nossas águas subterrâneas, embora abriguemos aquíferos importantíssimos sobre nossos pés. Hoje temos dados suficientes para pilotar leis que regulem a prospecção de água do Aquífero Guarany, tanto que produzimos uma recomendação, ainda que genérica, através do Parlasul.
Sentimos a ausência de compromisso governamental nas três esferas de poder para a manutenção de fundos que sustentem uma política consistente e permanente para o assunto. Isto possibilitaria planejamento a longo prazo e daria segurança para todos envolvidos no processo.
Falta definição quanto ao uso para irrigação, responsável por mais de 70% da água que retiramos de nossos corpos líquidos e de nossos lençóis freáticos. Transferência de tecnologia somada a investimento poderia racionalizar o uso do bem para este fim. A cobrança pelo uso da água ainda enfrenta resistência por parte de muitos produtores e de governos centralizadores.
Um quinto dos rios compartilhados por mais de um país passam pelo Brasil. São mais de 50 deles entre o Oiapoque e o Chuí. Acordos para manejo sustentável dos mesmos praticamente inexistem. Para que progridam é necessário que criemos uma certa convergência nas legislações ambientais dos países em questão.
Pelos motivos acima expostos, decidiu-se criar um grupo de parlamentares responsável por elaborar e estimular uma plataforma de leis que tratam dos recursos hídricos em vários países e que se tornará uma referência. A partir daí, a troca de idéias e de conhecimento irá preparar parlamentares para tratar do assunto com propriedade e que possam produzir um arcabouço legal à altura da importância do tema.
José Paulo Toffano é deputado federal (PV/SP), presidente da comissão de meio ambiente e desenvolvimento regional sustentável do Parlasul e secretário nacional de formação do Partido Verde.