Bancos brasileiros terão de adaptar-se a margens de lucro menores e volumes maiores. A boa notícia é que há muita gordura para cortar antes de chegar ao osso.
Em 10 de outubro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu pela décima vez consecutiva em pouco mais de um ano a taxa básica de juros, a Selic, de 7,5% para 7,25% – o menor patamar da série histórica iniciada em 1996. A medida surpreendeu analistas, uma vez que a taxa já havia atingido uma baixa recorde e a inflação estava acima do centro da meta do Copom de 2,5-6,5%.
Nem o crescimento econômico – que deve terminar o ano em apenas 1,5% – nem a moeda – que tende a oscilar com a taxa, já que juros baixos atraem investidores estrangeiros em busca de retornos rápidos –, devem, em teoria, desempenhar um papel nas deliberações do Copom. Entretanto, a maioria dos analistas acredita que as decisões do Copom estão sendo tomadas com vistas a impulsionar o crescimento e enfraquecer a moeda, e que a menos que a inflação ameace romper a barreira de 6,5%, as taxas vão permanecer baixas durante algum tempo.
Por enquanto, a moderada demanda global sinaliza que a inflação não deve sair do controle. Mas, no longo prazo, o governo terá de conter os gastos públicos e avançar com reformas difíceis se quiser que o Brasil cresça a um ritmo mais rápido do que 3-4% ao ano sem alimentar a inflação. Medidas recentes para cortar impostos sobre a folha de pagamento, limitar aumentos salariais no setor público, reduzir os custos de energia e melhorar uma infraestrutura de transporte lamentável deverão contribuir para aumentar o ritmo modesto do crescimento econômico. Essas medidas também convenceram muitos brasileiros de que a presidente Dilma Rousseff está disposta a fazer o que for preciso para impedir que o Banco Central seja obrigado a elevar novamente a Selic.
Taxas de juros permanentemente mais baixas representariam a evolução econômica mais positiva no Brasil desde que a hiperinflação foi controlada há quase 20 anos, afirma Enestor dos Santos, do BBVA, um banco espanhol que atua no país. As empresas investiriam mais – e ao conseguirem retornos decentes, teriam mais capital livre para investir em projetos produtivos ao invés de deixar aplicadas suas verbas em títulos do governo, como fazem atualmente.
Retornos ao credor
Mas algumas indústrias devem se preparar para uma queda nos lucros. Quando os investidores perceberam que as empresas de energia elétrica teriam de aceitar retornos mais baixos a partir do início do próximo ano, ou não teriam suas concessões renovadas (as antigas começam a vencer a partir de 2015), os preços das ações despencaram. Masha Gordon, da PIMCO, uma gestora de fundos, elogia o governo por ter ignorado os interesses das empresas e posto um fim ao “almoço grátis” no Brasil. Concessionárias dos setores de infraestrutura e energia que fecharam negócio quando as taxas estavam muito mais elevadas foram enormemente beneficiadas quando elas caíram, aponta Gordon, fazendo com que alguns projetos de baixo risco tivessem retornos líquidos de aproximadamente 20%. Essas concessionárias não poderiam crer que isso fosse durar para sempre.
Mas são os bancos que terão de fazer mais para adaptar-se à nova realidade de juros baixos no Brasil, diz Gordon. Suas margens de lucros vêm caindo há anos, na medida em que as taxas que os bancos cobram nos empréstimos caem em linha com a Selic e as possibilidades de reduzir as taxas que eles oferecem em empréstimos é reduzida. Isso tem reduzido boa parte de suas margens de lucro. A pressão para reduzir os lucros dos bancos também aumentou recentemente, com o governo pressionando os bancos a oferecerem taxas menores e mais rapidamente para seus clientes.
Os dois grandes bancos controlados pelo Estado, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, reduziram suas taxas por ordem do governo. Os bancos privados tiveram de seguir o mesmo caminho sob ameaça de perder participação no mercado. De acordo com a Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a taxa média paga pelos mutuários brasileiros em setembro ficou abaixo de 100% pela primeira vez. Taxas para empréstimos comerciais também atingiram uma baixa recorde de 48% ao ano.
Margens de lucro X Volume de negócios
Para os padrões brasileiros tais taxas podem até ser baixas, mas pelo padrões internacionais elas são de amargar. A maior razão, disse Sergio Furio do BankFacil, uma start-up que oferece informações sobre financiamento ao consumidor na internet, é a ineficiência dos bancos brasileiros. Apesar de suas receitas por funcionário estarem amplamente em linha com as de outras grandes economias, sua baixa produtividade é mascarada por preços muito mais elevados. Eles precisam do dobro de funcionários para gerar os mesmos volumes que bancos na Europa ou nos EUA, afirma Furio, mas ainda são rentáveis porque as margens são duas ou três vezes maiores.
“Os bancos brasileiros têm se agarrado ao último suspiro de taxas de juros ultrajantes”, disse Furio. Em vez disso, eles deveriam estar tentando se tornar mais eficientes e atrair clientes melhores. Empréstimos com juros muito altos tendem a afastar os tipos abastados que poderiam até pagá-los. Isso significa que os juros precisam ser ainda mais altos para cobrir frequentes casos de inadimplência. O BankFacil espera ganhar dinheiro quebrando este ciclo, indicando as instituições financeiras que cobram menos a seus clientes bem informados e disciplinados.
As taxas de juros mais altas são aquelas de cartões de crédito, que no Brasil são usados principalmente para comprar bens em parcelas sem juros. Varejistas oferecem planos de pagamentos autofinanciados em até 18 meses. Eles escondem seus próprios custos adicionais no preço dos produtos e só solicitam o pagamento do cliente ao emissor do cartão mês a mês. Os bancos ganham pouco dinheiro com essa prática peculiar dos varejistas, que representa 70% do total de empréstimos em cartões de crédito no Brasil. Só quando um titular não efetua o pagamento é que o emissor do cartão começa a cobrar juros. Mas as chances de inadimplência entre esses retardatários chega a 28%, ou seja, as taxas devem ser astronômicas se os bancos estão conseguindo lucrar alguma coisa.
No mês passado, o Itaú Unibanco, o maior banco privado do Brasil, deixou claro que gostaria de colocar um fim a esta prática em seus cartões de crédito. Mas o governo teme que os consumidores brasileiros estejam tão acostumados a pagar tudo – de roupas a carros – em parcelas sem juros, que eles poderiam parar de gastar, cortando a nascente recuperação econômica pela raiz. Qualquer medida terá de ser gradual.
A boa notícia é que os bancos brasileiros têm muita gordura para cortar antes de chegar ao osso. Eles também adquiriram muitos novos clientes durante a última década, lembra Franklin Santarelli, da Fitch Ratings, fato que deve oferecer recompensas durante o árduo próximo passo. Chegou a hora dos bancos brasileiros, como fazem aqueles em outros países, arrumarem uma forma de lucrar com margens mais baixas e volumes maiores.
Fonte : The Economist