Em fevereiro, Corte definiu que sentenças de segunda instância já não permitiriam mais recursos em liberdade. Mas ministros vêm divergindo a respeito desse entendimento. Entenda a polêmica
O Supremo Tribunal Federal mudou em fevereiro o entendimento que tinha sobre qual momento um condenado deve começar a cumprir sua pena. Por 7 votos a 4, a Corte decidiu que não era mais possível um condenado esgotar as possibilidades de recurso em liberdade. A partir de uma decisão de segunda instância, já deveria ir para a cadeia.
A sessão de fevereiro foi acompanhada de intensos debates entre os ministros. Ainda assim, prevaleceu a opinião dos que defendiam a antecipação da prisão. Após a segunda instância (Tribunais de Justiça de cada Estado e Tribunais Regionais Federais, por exemplo), a defesa ainda poderia recorrer a tribunais superiores, como o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça, mas sem que o condenado estivesse em liberdade.
Apesar da decisão majoritária, em ao menos duas ocasiões os próprios ministros do Supremo adotaram um entendimento divergente e continuaram aplicando a regra anterior. Ou seja, o condenado continuaria livre enquanto tivesse a possibilidade de recorrer, antes que a sentença tivesse “transitado em julgado”.
Contra e a favor: o que está em debate
DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO
Segundo a Carta de 1988, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Por causa desse trecho, ministros contrários à mudança dizem que o novo entendimento do Supremo é inconstitucional.
MAIS AGILIDADE AO JUDICIÁRIO
Por outro lado, segundo os defensores da alteração, o novo entendimento encontra fundamento em convenções internacionais e está de acordo com padrões internacionais de direitos humanos. Além disso, confere agilidade aos julgamentos e combate a impunidade, já que o excesso de recursos por vezes mantém um réu (já condenado em duas instâncias) em liberdade.
Como o Supremo é a instância máxima do Poder Judiciário, as decisões tomadas pelos ministros servem como orientação para os demais tribunais do país, que passam a adotar a mesma regra nos julgamentos realizados nos Estados. Por essa razão, as interpretações divergentes entre os próprios ministros têm causado estranheza.
No entanto, nem toda decisão tem o chamado “efeito vinculante”, que obriga os juízes a adotarem o mesmo critério. Isso, em geral, ocorre quando os ministros avaliam uma ação penal, por exemplo. No caso do julgamento de fevereiro, tratava-se de um habeas corpus e a decisão só tem efeito para o condenado citado no processo.
Ainda assim, os próprios ministros da Corte consideram que episódios podem gerar um cenário de “insegurança jurídica”. “Ao parecer desorientado, o STF desorienta todos que dependem dele”, afirmou o professor de direito Rubens Glezer, em artigo publicado no blog Supremo em Pauta.
Dois casos na contramão da decisão do Supremo
PRISÃO DE PREFEITO DA PARAÍBA
O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, concedeu liberdade em julho ao prefeito José Vieira da Silva, de Marizópolis (PB). Ele foi condenado por desvios de recursos pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (órgão de segunda instância). A defesa dele recorreu e Lewandowski entendeu que a prisão feria o princípio de presunção de inocência. O responsável pelo caso, no entanto, é o ministro Edson Fachin que, ao voltar das férias de julho, reverteu a decisão e mandou o prefeito voltar à prisão. Fachin afirmou que a Corte deveria adotar o critério definido em fevereiro e cobrou “estabilidade” por parte dos integrantes do Supremo.
HOMICÍDIO EM MINAS GERAIS
Em julho, o ministro Celso de Mello (que também votou contra a mudança da regra) suspendeu a execução da prisão de um homem condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais por homicídio e ocultação de cadáver. A defesa dele recorreu ao Supremo e Mello entendeu que deve prevalecer o texto da Constituição.
Posicionamento da Corte e o elo com a Lava Jato
O entendimento de qual o momento correto para se executar a pena ainda desperta debates e deve voltar a ser julgado pelos ministros. Duas ações no Supremo questionam a legalidade da medida adotada em fevereiro. Uma delas chegou a entrar na pauta de julgamento, mas foi retirada. Não há prazo definido para o tema entrar na agenda da Corte.
A questão ganhou ainda mais relevância após a divulgação dos diálogos de líderes do PMDB gravados pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e tornados públicos em maio.
Nas conversas, o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), o senador Romero Jucá (PMDB-RR), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), manifestam preocupação com a nova orientação do Supremo. Nos trechos em que eles discutem estratégias para tentar conter os efeitos da Lava Jato, reverter a decisão do Supremo é uma das medidas citadas.
Fonte : Nexo Jornal